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Poder Legislativo e recesso parlamentar

17 de Outubro de 2007 às 10:38
O artigo "O Recesso Parlamentar" é um estudo das Constituições brasileiras mostrando o recesso parlamentar, sua evolução histórica e, adicionalmente, uma visão do Poder Legislativo como principal instrumento de defesa da democracia, mostrando os deveres e obrigações dos parlamentares e o aumento de suas responsabilidades legais. O estudo foi elaborado pelo procurador da Assembléia Legislativa do Estado de Goiás, Gilnei Alberto Ribeiro, e publicado pela Revista Jurídica da Unievangélica.

O RECESSO PARLAMENTAR


Gilnei Alberto Ribeiro


Resumo

O tema escolhido é o sempre criticado e debatido “Recesso Parlamentar”. Trata-se de assunto polêmico que sempre suscita bastante discussões dentro e fora do parlamento. Por outro lado, a mídia, com freqüência, sempre faz veicular diversas reportagens criticando este instituto, defendendo um recesso de 30 (trinta) dias a semelhança do período de férias de trabalhadores da iniciativa privada e dos demais servidores públicos. Pretendo fazer, neste artigo, um estudo das constituições brasileiras mostrando este instituto e sua evolução histórica, para, em seguida, fazer um histórico do Poder Legislativo como principal instrumento de defesa da democracia, mostrando os deveres e obrigações dos parlamentares e o aumento de suas responsabilidades legais, enfatizando que deputados e senadores não somente fazem leis, mas têm, também, a obrigação de fiscalizar os atos do Poder Executivo. Realizo, também, um breve estudo sobre o parlamento mostrando sua importância como instrumento da democracia e como principal fórum de debates dos problemas da sociedade, destacando que o Legislativo é, verdadeiramente, entre os Poderes do Estado, o mais democrático, no qual a tribuna pode ser usada por qualquer pessoa, investida de mandato, sem importar se suas convicções ideológicas agradam ou desagradam a maioria ou minoria. Por fim, como objeto principal da monografia, demonstro a necessidade do recesso para que parlamentares (senadores, deputados federais e estaduais) possam desenvolver seu trabalho em suas bases eleitorais, buscando subsídios para sua atuação nas respectivas Casas, fazendo, ainda, um paralelo com o trabalho do vereador, sendo que este último, por suas características, já tem um contato permanente e direto com seus eleitores sem, portanto, a necessidade de ter o recesso nos mesmos moldes estabelecidos para deputados e senadores, Discorro, também, como as constituições brasileiras regulamentaram o funcionamento do parlamento e a duração do recesso parlamentar ao longo deste período, traçando, inclusive, um paralelo com o tempo destinado ao funcionamento do parlamento nos governos ditatoriais.

Palavras-chave : recesso, parlamento, constituição, senador, deputado, legislativo, democracia.

 

Introdução
Ano após ano o recesso parlamentar é discutido e avaliado pela sociedade e debatido pelo congresso nacional, assembléias legislativas e câmaras municipais. Avalia-se a sua necessidade, o tempo de duração e até mesmo se se trata de um privilégio ou prerrogativa dos parlamentares em suas várias esferas de poder (federal, estadual ou municipal).

A bem da verdade, o tema merece um estudo mais profundo e detalhado, trazendo a baila suas origens e evolução histórica através do ordenamento constitucional pátrio e do direito comparado, estabalecendo, assim, um confronto entre os diversos pontos de vista acerca deste instituto bastante criticado e nem sempre utilizado adequadamente por parte dos parlamentares, gerando a insatisfação da sociedade com seus mandatários.

A principal confusão que se estabeleceu em torno deste instituto é a comparação do período destinado ao recesso parlamentar, hoje em torno de noventa dias, com as férias regulamentares dos demais servidores públicos e os trabalhadores da iniciativa privada que são de trinta dias.

 O recesso parlamentar, como será vista neste artigo, não tem por escopo paralisar as atividades legislativas, mas destinar ao parlamentar uma ocasião para que este visite sua base de representação e colha os elementos necessários para desenvolver o seu mister, através do clamor popular.

A constituição federal em seu art.45 diz que a câmara dos deputados compõe-se de representantes do povo, mandamento que o parlamento deve ter consciência, poism ainda, conforme a mesma constituição todo poder emana do povo e em seu nome será exercido.

 De acordo com Nóbrega Netto (2003), a íntima ligação entre a sociedade e o poder legislativo sempre deverá ser motivo de preocupação, pois o parlamento é um meio seguro e indispensável para a consolidação da democracia. Os parlamentares precisam empenhar ao máximo para viabilizar a participação popular nas atividades legislativas, para que o povo também sinta-se responsável no processo de formação da ordem jurídica do país.

Ao parlamento são atribuídas várias competências constitucionais. Bobbio (1986), sustenta que o parlamento é uma instituição polivalente dotada de uma gama de atribuições que vai muito além de sua função típica que é a de legislar.

 Suas obrigações institucionais podem ser reunidas em quatro funções consideradas fundamentais: a representação, a legislação, o controle do executivo e a legitimação. São estas funções que faz o legislativo vir em primeiro lugar na ordem dos poderes no texto constitucional. 

           

O Poder Legislativo
Segundo Rodrigo César Rebello Pinho (2001), a função típica do Poder Legislativo é a elaboração de leis a serem seguidas pelos cidadãos de um determinado Estado de direito, competindo-lhe, ainda, a fiscalização financeira e administrativa dos atos do Executivo conforme dispõe a constituição brasileira.

Até conquistar estas atribuições, o Poder Legislativo, percorreu um longo e atribulado caminho, sofrendo constantes ataques em períodos de governos totalitários.

Conforme Bonavides (1995), o princípio da separação dos poderes, adotado pelos Estados democráticos hoje existentes, formados pelos poderes executivo, legislativo e judiciário, independentes e harmônicos entre si, sistematizados por Montesquieu em sua célebre obra O Espírito das Leis (1748), teve precursores já na antigüidade com Aristóteles. O filósofo grego distinguiu a assembléia-geral, o corpo de magistrados e o corpo do judiciário, considerados embriões dos atuais poderes do estado.

Esta doutrina permanece até os dias atuais sem grandes alterações, inicialmente acolhida por alguns estados da confederação norte-americana, ainda no século XVIII, a fórmula de Montesquieu foi adotada pela maioria dos Estados liberais contemporâneos.

Hamilton, Madison e Jay no livro O Federalista (apud Maluf, 1995) ratificam os ideais de Montesquieu ao afirmarem que, quando na mesma pessoa ou corporação, o poder legislativo se confunde com o executivo, não há mais liberdade. Os três poderes devem ser independentes entre si, para que se fiscalizem mutuamente, coibam os próprios excessos e impeçam a usurpação dos direitos naturais inerentes aos governados. O Parlamento faz as leis, cumpre-as o executivo e julga as infrações delas o tribunal. Em última análise, os três poderes são serventuários da norma jurídica emanada da soberania nacional.

A primeira manifestação deste modelo de Estado -  com divisão dos poderes e funções reguladas através de uma constituição, com cada qual exercendo um controle sobre os demais, denominado pelos norte-americanos de “sistemas de freios e contra-pesos” (checks and balances) – se deu na Inglaterra em 1215, quando o Rei João Sem-Terra se viu forçado a outorgar a Carta Magna, na qual o monarca era obrigado a consultar os senhores feudais na determinação de impostos, instituia-se, a partir de então, a divisão entre as funções do executivo e legislativo (Campos, 1996).

Apesar desta divisão de funções, o hipertrofismo do executivo sempre foi um entrave para o equilíbrio e harmonia dos três poderes do estado compilado por Montesquieu. A célebre frase do monarca francês Luiz XIV “o Estado sou eu” parece ter entranhado na mente de governantes de alguns estados ao longo da história.

O poder executivo tem a prerrogativa de ser o arrecadador das receitas necessárias à manutenção do Estado. Esta determinação constitucional privilegia o executivo, fragilizando os demais poderes, em especial o legislativo que tem o menor orçamento, tornando-o mais suscetível às pressões emanadas de governantes despóticos.

O constituinte brasileiro ao elaborar a constituição de 1988, deixou escapar uma grande oportunidade de estabelecer um equilíbrio maior entre os poderes legislativo e executivo. De acordo com Figueiredo e Limongi (2001), os constituintes fizeram constar no texto constitucionais dois conjuntos de medidas contraditórias entre si.

 Por um lado, aprovaram uma série de medidas tendentes a fortalecer o poder legislativo, que durante a ditadura militar foi bastante enfraquecido. Porém, manteve o executivo dotado de vários poderes legislativos, possibilitando a este exercer com uma certa folga algumas das prerrogativas típicas do parlamento, em especial o poder de emitir medidas provisórias com força de lei.  

Exemplo da insatisfação dos parlamentares com o excesso de medidas provisórias produzidas pelo executivo federal pode ser medida pelas palavras do atual presidente da Câmara dos Deputados Severino Cavalcanti (PP/PE), assevera o deputado que o governo promove um verdadeiro fechamento virtual do congresso nacional com a excessiva edição de medidas provisórias, comparando o presidente Lula com o regime militar, quando ainda vigorava os decretos-leis, que podiam ser aprovados pelo simples decurso de prazo, estimulando a ausência dos deputados em plenário.

A indignação demonstrada pelo presidente da Câmara dos Deputados com o excesso de medidas provisórias editadas pelo governo Lula, reflete um problema que vem se repetindo ano após ano. Em que pese as críticas sobre este instituto jurídico usado de forma cada vez mais freqüente pelos presidentes da república, as medidas provisórias continuam abarrotando a pauta do congresso nacional.

Mesmo com as limitações impostas pela emenda constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, as medidas provisórias continuam sendo amplamente usadas pelo governo federal para supostos casos de relevância e urgência, usurpando do legislativo a prerrogativa de emanar leis.

O governo José Sarney, após a promulgação da constituição de 1988, editou  ou reeditou 125 medidas provisórias, alcançando uma média mensal de 5,21 medidas provisórias. Fernando Collor de Melo, de março de 1990 a outubro de 1992, produziu 89 medidas provisórias, atinginda a média de 2,92 medidas provisórias por mês. O seu sucessor, Itamar Franco, impôs ao congresso 142 medidas em 27 meses, resultando na média mensal de 5,26 medidas.

Fernando Henrique Cardoso, em seu primeiro governo (1995/1998), editou ou reeditou 160 medidas provisórias, média mensal de 3,33, e no segundo governo, antes da alteração do texto constitucional pela emenda nº 32/2001, enviou para o congresso,  uma média mensal de 3,12 medidas provisórias, totalizando 103 medidas. A tentativa de limitar a fúria legislativa do executivo com a alteração da constituição, em setembro de 2001, não surtiu o efeito esperado, pois a média mensal aumentou para 6,8 medidas provisórias, totalizando 102 medidas em 15 meses.

O presidente Lula, em 29 meses, conseguiu atingir a média mensal de 4,96 medidas provisórias, editando ou reeditando 144 atos normativos provisórios. Tais números demonstram que o poder executivo continua legislando descontroladamente sobre os mais variados assuntos.

Diante desta intensa capacidade do poder executivo de legislar, levou Torres (2002) a constatar que as impropriedades jurídicas produzidas pelo Executivo em seus decretos, instruções normativas, portarias etc. São inacreditáveis, uma vez que jogam por terra todas as conquistas que tivemos nas últimas décadas no sentido de construir uma ordem legal democrática.

Não é possível continuar desta forma, as funções típicas devem ser retomadas por cada um dos poderes, sob pena de se estabelecer um caos institucional. A propalada independência dos poderes do Estado é sempre questionada devido, principalmente, a sobreposição do executivo sobre os demais. Décio Saes lembra que 

Se a burocracia estatal pode, sem violar a Constituição, tratar concretamente de mais matérias que a representação parlamentar, como é possível sustentar que o respeito à competência formal de cada “poder” é sinônimo de equilíbrio de poderes .

 

A atividade parlamentar 
É comum medir o nível de atividade do parlamentar pelo seu comparecimento às sessões ou pela quantidade de proposições apresentadas. Creio não ser esta a forma mais adequada de quantificar e qualificar o trabalho dos representantes do povo, principalmente, pela quantidade de atribuições constitucionais que cabem aos parlamentares.

Entre os poderes do Estado, o legislativo pode ser considerado como o mais democrático, contendo representantes das mais variadas matizes políticas. Não tem uma estrutura monolítica, seus membros não agem em nome do Parlamento, mas em nome próprio ou de uma bancada.

Qualquer integrante do legislativo pode usar livremente da palavra sem ser importunado por correntes ideológicas dominantes. Oposto ao que ocorre com o Poder Executivo, onde a orientação do partido ou coligação vencedora deve ser fielmente seguida, ou de outra forma, o agente político é excluído dos quadros da agremiação política ou demitido do cargo ou função de confiança que ocupa.

Nas palavras de Del Negri (2003), o plenário é um espaço aberto às discussões críticas pelo povo e seus representantes, acrescentado que 

No Estado de Direito Democrático, com as conquistas processuais já consolidadas na Constituição, interessa aos cidadãos (toda sociedade) que a lei seja produto de um procedimento realizado em contraditório, ampla defesa e em simétrica paridade aberta a todos de tal modo a permitir qualquer do POVO a fiscalização processual de constitucionalidade dos procedimentos legiferantes.

Percebe-se, também, que o Legislativo é o mais suscetível dos poderes nos momentos de instabilidade política. Invariavelmente, o parlamento é fechado ou tem suas funções bastante restringidas quando a democracia é atacada. Na história recente do Brasil, o parlamento já sofreu diversas intervenções, resultando na interrupção de seu funcionamento e na cassação de mandatos dos representantes populares.

A primeira intervenção sofrida pelo parlamento, após a independência do Brasil, aconteceu em 12 de novembro de 1823, quando os trabalhos legislativos foram encerrados por ordem do imperador Dom Pedro I, devido ao confronto deste com a Assembléia Geral que buscava definir sua soberania.

No segundo império, Dom Pedro II dissolveu por onze vezes a representação popular. Nesta época, o país contava com quatro poderes, além do executivo, legislativo e judiciário, existia o poder moderador, sob o comando do Imperador e que se sobrepunha aos demais.

Em 15 de novembro de 1889, com a proclamação da república, o Senado e a Câmara dos Deputados são novamente dissolvidos, só reabrindo um ano depois com a instalação do congresso nacional constituinte.

O parlamento sofre nova intervenção com a ditadura imposta por Getúlio Vargas em 1930, permanecendo fechado por três anos, quando, por mais uma vez é instalada a Assembléia Nacional Constituinte para redigir a nova constituição brasileira.

Vargas aplica novo golpe no parlamento em 1937. O governo central outorga nova constituição, denominada “polaca”, mais rígida e centralizadora dos poderes do estado nas mãos do chefe do executivo. O “Estado Novo” fecha o Senado, Câmara dos Deputados, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais e é criado o Parlamento Nacional, com Câmara dos Deputados e Conselho Federal. É vedada a iniciativa individual de projetos de lei aos membros do parlamento, o governo passa a legislar através de decretos-lei e os estados são governados por interventores.

Com o golpe de 1964, o parlamento é fechado por três vezes. A primeira vez de 20 de outubro a 22 de novembro de 1966, a segunda de 13 de dezembro de 1968 a 21 de outubro de 1969, e, por último, de 1º a 14 de abril de 1977.

A ditadura militar cassa direitos políticos de cidadãos e de vários representantes do Poder Legislativo em todas as esferas. Senado Federal, Câmara dos Deputados, Assembléias Legislativas estaduais e Câmaras de Vereadores sofrem os efeitos de mais uma ditadura.

A objurgação dos integrantes do legislativo por governos ditatoriais aliado ao hipertrofismo do executivo, que tem o poder de arrecadar e distribuir verbas, levou os integrantes das casas legislativas a percorrerem um caminho de acomodação, tornando-se, por longos períodos, apenas como meros chanceladores das políticas públicas formuladas no âmbito do poder executivo.

Ao longo das últimas décadas, a perda de qualidade dos trabalhos legislativos ficou patente conforme observa Campos (O Popular, 2003), relata o cientista político que o parlamento até a década de 60, era formado por intelectuais de reconhecido saber jurídico e elevado grau de conhecimento cultural, mas com assunção dos militares ao poder e cassação dos direitos políticos, a Assembléia Legislativa ficou sem seus melhores quadros tendo em vista que muitos de nossos políticos desistiram da vida pública.

 Tais fatos ocasionaram a perda da identidade entre os representantes do povo e seus eleitores, e a conseqüência trágica desta constatação é a banalização da atividade parlamentar, criando no inconsciente coletivo que o poder legislativo é ineficiente, perdulário e descartável, podendo até mesmo ser fechado pois nenhuma falta faz à nação.

A divulgação séria e responsável e a atuação consciente dos parlamentares no exercício de suas funções, por certo reconquistará o respeito dos cidadãos, pois é uma necessidade inadiável do poder legislativo buscar a sua recuperação moral e resgatar  suas prerrogativas constitucionais, entre elas a fiscalização dos atos do poder executivo, atribuição esquecida pelos parlamentares e exercida quase que exclusivamente pelos tribunais de contas.

 

O Poder Legislativo e as Constituições Brasileiras
As atribuições, o funcionamento e o período destinado ao recesso do parlamento sofreu várias e profundas alterações ao longo da história do Brasil. A cada constituição promulgada ou outorgada, o Poder Legislativo adquiria novas feições, as vezes ganhando, as vezes perdendo funções e prerrogativas, dependendo das forças que ascendiam ao Poder.

Particularmente, em relação ao deputado estadual, a divisão de competências definidas na constituição federal foi um tanto quanto perversa, pois reservou a este uma parcela muito pequena quanto ao poder de iniciativa de leis. Diz o §1º do art.25 da Magna Carta que “São reservados aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição”.

Trata-se da chamada competência residual, isto é, as matérias que não forem da competência legislativa da União ou dos municípios caberão aos Estados, e, nestes casos, as constituições estaduais reservam ao chefe do executivo as matérias mais importantes, restando aos deputados estaduais aguardar que o poder executivo tenha a iniciativa de enviar as leis de maior relevância.

A duração da legislatura, da sessão legislativa e o período destinado ao recesso parlamentar sofreu variações conforme se outorgava ou promulgava uma nova constituição.

A constituição de 1824 determinou que cada legislatura teria uma duração de quatro anos e a sessão legislativa se prolongaria por quatro meses. A constituição de 1891 estipulou um mandato de três anos e sessões legislativas também de quatro meses.

As constituições de 1934 e 1937 voltou a instituir a legislatura de quatro anos, porém a Carta de 1934 normatizou como de 6 meses a duração das sessões legislativas e a de 1937 somente 4 meses. A partir de então, as demais constituições (1946, 1967 e 1988) instituíram a legislatura de 4 anos e as sessões legislativas com duração de 9 meses.

Portanto, o período de recesso parlamentar, decorrente das constituições supracitadas são os seguintes

 

Constituição

Recesso Parlamentar

1824

8 meses

1891

8 meses

1934

6 meses

1937

8 meses

1946

3 meses

1967

3 meses

1988

3 meses

 

As competências do poder legislativo definidas em cada constituição também sofreram modificações. Conforme, passavamos de uma ditadura para governos mais flexíveis e democráticos, as atribuições do parlamento eram ampliadas ou restringidas.

Durante os governos militares, em que pese o congresso e assembléias legislativas terem sido mantidas em funcionamento, exceto pelo fechamento em três ocasiões, não era possível considerar que o parlamento exerceu com plenitude suas prerrogativas, pois o governo sempre que se via ameaçado de perder o controle sobre as votações, criava mecanismos de manutenção de sua maioria, como por exemplo, o voto de legenda,a criação das sublegendas e a instituição do senador “biônico”. 


O funcionamento do Parlamento em outros países
Em outros países democráticos, o período destinado ao funcionamento das casas legislativas são bastante variados. Estudo efetuado por Kátia de Carvalho (2004) mostra que a constituição do Canadá, por exemplo, prevê que o parlamento (nacional) e cada casa legislativa, correspondente às nossas assembléias legislativas, devem reunir-se ao menos uma vez a cada doze meses, não existindo uma data específica para iniciar ou terminar os trabalhos legislativos.

Nos Estados Unidos da América, existe a previsão de se iniciar as sessões legislativas no dia 3 de janeiro de cada ano, entretanto, o congresso pode deliberar para determinar uma outra data. Quanto ao adjournment sine die ou término da sessão legislativa não há disposição específica, exceto em ano eleitoral quando o Ato de Reorganização Legislativa (1970) determina a data de 31 de julho para o término dos trabalhos legislativos.

No México, o funcionamento do congresso se dá em dois períodos, o primeiro a partir de 1º de setembro de cada ano não podendo ultrapassar 15 de dezembro e o segundo tem início em 15 de março estendendo-se, no máximo, até 30 de abril.

O parlamento da Argentina funciona de 1 de março a 30 de novembro de cada ano, no Chile de 21 de maio a 18 de setembro, na Colômbia de 20 de julho a 16 de dezembro e de 16 de março a 20 de junho, no Paraguai de 1 de julho a 20 de dezembro e de 1 de março a 30 de junho, no Peru de 27 de junho a 15 de dezembro e de 1 de abril a 31 de maio.

Já na Bolívia os trabalhos legislativos têm início em 6 de agosto e continuam por noventa dias úteis, podendo tal prazo ser prorrogado por mais cento e vinte dias. No Equador, a sessão legislativa tem duração de sessenta dias, com início em 10 de setembro, não havendo possibilidade de prorrogação.

Na Europa, a constituição portuguesa prevê que o funcionamento da Assembléia da República é de 15 de outubro a 15 de junho. Na Espanha, o congresso se reúne de setembro a dezembro e de fevereiro a junho. Dispõe a constituição francesa que o parlamento terá atividades em duas sessões, a primeira iniciando em 2 de outubro com duração de 80 dias, e a segunda a partir de 2 de abril não podendo ultrapassar o prazo de noventa dias.

O parlamento federal da Alemanha dispõe de um interessante sistema de funcionamento. Neste país, os parlamentares exercem suas atividades legislativas por duas semanas de sessões e depois dispõe de outras duas semanas para retornarem às suas bases. Na Itália e Inglaterra o período de funcionamento do parlamento não obedece um período fixo ou predeterminado.


Os parlamentares e o recesso
A polêmica acerca do recesso parlamentar não é ignorada pelo congresso nacional, assembléias estaduais e câmaras municipais. Existem inúmeros projetos de emendas constitucionais tramitando nestas casas, com vistas a prolongar o período de funcionamento do legislativo. Em algumas câmaras municipais já foram aprovadas alterações nas respectivas leis orgânicas reduzindo para 30 dias o recesso parlamentar dos edis.

No âmbito federal, este debate tem tomado corpo, principalmente após a Emenda Constitucional nº 45/2004, que instituiu a reforma do Judiciário, e um dos pontos desta reforma foi justamente a diminuição das férias dos magistrados, pondo fim a uma antiga discussão sobre este privilégio de juízes.

No entanto, o congresso encontra-se bastante dividido, com parlamentares contra e a favor da alteração da constituição. Em março de 2004, a revista Cidades do Brasil publicou uma reportagem trazendo opiniões de alguns deputados.

A favor da manutenção do modelo atualmente disciplinado pela constituição federal que vem repetindo-se deste a constituição de 1946, o deputado federal Roberto Balestra (PP/GO) alega que predomina a idéia de que os parlamentares não podem continuar desfrutando do privilégio de ter férias mais longas do que os trabalhadores. Confunde-se recesso parlamentar com férias. Recesso é a oportunidade que tem o parlamentar para voltar ao convívio com suas bases. Não pode ser confundido com férias. Parlamentar não é funcionário público e nem trabalhador. É um mandatário. Especialistas já disseram que o Congresso brasileiro reúne-se por tempo demasiadamente longo. A Assembléia Nacional da França só funciona sete meses por ano.

Vejamos também os Estados Unidos que tiveram duas ou três legislaturas que duraram 365 dias, no período da guerra, mas normalmente duram quatro ou cinco meses, com recessos alternados, alterados a critério da Mesa, em regime presidencialista. Na Europa, acontece o mesmo tipo de regulamentação pela Mesa da Câmara. Ressalte-se que na Europa o regime é parlamentarista, com o poder concentrado na Câmara dos Deputados; não tendo vinculação constitucional e se dá por determinação da Mesa da Câmara e a critério, portanto, da atividade legislativa e da atividade do exercício do poder.

Em sentido contrário, o deputado federal Isaias Silvestre (PSB/MG), relator da proposta de emenda constitucional nº 347-A, de autoria do deputado federal Nicias Ribeiro (PSDB/PA), que reduz o recesso para 45 dias, raciocína que não há a necessidade de um recesso parlamentar tão longo, pois as dificuldades de locomoção existente no passado foram superadas permitindo aos congressistas visitarem suas bases sem maiores dificuldades.

Outro argumento é que todos os demais trabalhadores têm férias de 30 dias, não sendo justo que os representantes políticos tenham tratamento diferenciado, acrescenta, ainda, o relator da emenda, que a proposta teria por mérito melhorar a imagem do Poder Legislativo tendo em vista o corte de privilégios.

Tem-se tornado comum vereadores de alguns municípios brasileiros propor emendas às respectivas leis orgânicas com o propósito de diminuir o recesso parlamentar em suas câmaras municipais, embora tais iniciativas possam ter sua constitucionalidade contestada, por ofensa ao princípio da simetria face a constituição federal.

A câmara municipal de Blumenal (SC), por exemplo, aprovou em primeira votação o projeto de decreto legislativo nº 592, com o propósito de alterar o período de funcionamento do legislativo local, passando o recesso parlamentar a ser de quarenta e cinco dias nesta cidade catarinense.

Justifica os vereadores locais que o sentimento popular deve prevalecer, não havendo razão em acreditar que algum vereador vote desfavoravelmente à matéria. Ressaltam, também, que os legislativos municipais já serviram de exemplo para as casas legislativas estaduais, câmara dos deputados e senado federal na redução do número de membros e agora com a diminuição do recesso parlamentar.

Entendo que a Constituição Federal já deveria conter a previsão de um período menor destinado ao recesso parlamentar dos legislativos municipais, quando comparado com as demais casas legislativas, pois, conforme defendido neste estudo, a natureza do recesso parlamentar não é de férias ou paralisação total das atividades legislativas, mas de um intervalo de tempo para que os representantes do povo visitem suas bases, com o intuito de manter-se atualizado com os problemas e reivindicações da região pela qual foi eleito.

O vereador já mantém este contato direto e permanente pois reside na cidade sede do parlamento, não justificando um período relativamente longo de suspensão das atividades parlamentares nos municípios.

A facilidade dos vereadores  em captar o clamor das ruas, pela maior proximidade com seus eleitores, qualifica-o a responder de forma mais rápida e eficiente as aspirações populares. A competência legislativa das câmaras dos vereadores permite que as leis municipais tenham efeitos mais visíveis pela sociedade.


Considerações finais
As constituições das democracias mais representativas do mundo estabelece um período de recesso razoavelmente suficiente para que os parlamentares retornem as suas bases e mantenham o necessário contato com a população para que, assim,  possam colher subsídios para o desenvolvimento de suas atividades.

O recesso parlamentar não pode ser confundido pela sociedade e pelos próprios parlamentares como férias, mesmo porque o poder legislativo continua funcionando normalmente, apenas as reuniões ou sessões legislativas são suspensas para que as deliberações não fiquem prejudicadas pela falta de quórum.

Fazendo uma pequena adaptação na canção do compositor mineiro Milton Nascimento, diríamos que todo político tem de ir aonde o povo está. Não é possível fazer leis sem ter o contato direto com a sociedade. O parlamento não é feito apenas de votações em plenário, os representantes do povo não são tecnocratas que passam seus mandatos esperando que a população vá até os seus gabinetes para pedir favores em troca de votos nas próximas eleições.

A comissão de segurança pública e direito do consumidor da Assembléia Legislativa do Estado de Goiás vem dando um exemplo de interação com a sociedade, promovendo audiências públicas com autoridades setoriais e lideranças de bairro, nas próprias comunidades, para debater os problemas locais e propor soluções, não somente através da edição de leis, mas, principalmente, cobrando das autoridades o cumprimento das normas já em vigor.

O jurista Miguel Reale (1995), ao formular a teoria tridimensional do direito, escreveu que onde que que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica etc.); um valor, que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e, finalmente, uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor.

Cabe aos parlamentares ter a sensibilidade necessária para captar e entender um fato social, conferir a este uma significação (valor) e, entendendo que o fato alcançou uma magnitude tal que mereça ser transformado em lei (norma), deve o mesmo fazer a proposição ao parlamento para a devida apreciação e votação pelos seus pares.

Parece-me, inclusive, inadequado a expressão “recesso parlamentar” para identificar este período destinado ao contato com as bases, pois passa a falsa impressão, inclusive para os próprios parlamentares, que trata-se de férias.

Melhor seria denominar esta prerrogativa de suspensão das sessões ou reuniões, haja vista a continuidade dos trabalhos dos servidores das casas legislativas, bem como dos parlamentares compromissados com seus projetos políticos.

O parlamentar que não mantém permanente contato com suas bases e seus eleitores, por certo, não terá condições de renovar o seu mandato por muito tempo. A sociedade, cada vez mais politizada, tem demonstrado que cobra de seus representantes os compromissos assumidos, afirmação que pode ser comprovada pela elevada taxa de renovação parlamentar a cada eleição.

O recesso parlamentar deve ser repensado e não eliminado ou reduzido. Enclausurar os parlamentarer nas respectivas sedes do poder legislativo não é a forma mais inteligente de forçar senadores, deputados e vereadores a cumprir a sua missão constitucional. Número de votações ou de proposições apresentadas ou mesmo a simples presença do parlamentar em seu gabinete, não o qualifica como bom ou ruim.

A avaliação do mandato deve ser feita com responsabilidade, levando-se em conta, a qualidade do trabalho do parlamentar ou a capacidade que este tem de produzir fatos relevantes e realmente voltados para a melhoria da qualidade de vida da população e não só de seus eleitores ou afilhados políticos.

Evidentemente, não é possível remontar, nos dias atuais, a democracia direta que vigorou na Grécia antiga, mas é preciso resgatar em nosso povo e em nossos representantes o orgulho com que os gregos se dirigiam para a àgora para debater a coisa pública.

              

Referências Bibliográficas

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PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da constituição e direitos fundamentais, volume 17. 3ª ed. Rev. São Paulo: Saraiva, 2002. (Coleção sinopses jurídicas).

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