Ler e escrever
Em 1966, o Brasil estabeleceu que 14 de novembro seria o Dia Nacional da Alfabetização, em referência à data do Decreto nº 19.402, que, ainda em 1930, criara o Ministério da Educação e Cultura (MEC). O órgão é responsável pela elaboração dos currículos escolares e pela gestão educacional em todas as fases de escolarização no País.
A erradicação do analfabetismo absoluto no Brasil é um dos objetivos do Plano Nacional de Educação (PNE), estabelecido pelo MEC em 2014 com metas para 2024. De acordo com o PNE, 93,5% dos brasileiros acima de 15 anos deveriam estar alfabetizados até 2015. Contudo, essa marca só foi atingida em 2020.
O dado acima refere-se ao analfabetismo absoluto, que é quando a pessoa não consegue sequer assinar e ler o próprio nome. Porém, as políticas públicas educacionais envolvem metas para combater também o analfabetismo funcional. Essa modalidade ocorre quando o indivíduo, embora consiga organizar fonemas, não é capaz de atribuir sentido e fazer uma interpretação coerente sobre o que está lendo ou escrevendo.
Professora de séries iniciais, a pedagoga Anny Araújo reforça que tal situação pode ser definida pela diferença entre alfabetização e letramento. “O letramento vai além da alfabetização: é preciso saber usar a escrita, aplicando-a em sociedade, expressando sentidos".
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 27% da população de 15 a 64 anos se encontrava nessa condição de analfabeto funcional em 2015. O número subiu para 29% em 2018 e, com a pandemia de covid-19, que impôs dificuldades à escolarização das camadas mais pobres da sociedade, a perspectiva dos especialistas é que os números atuais sejam ainda piores. A meta do PNE era reduzir o analfabetismo funcional a 13,5% até 2024.
Prejuízos
“A alfabetização na idade certa tem sofrido transtornos durante a pandemia, principalmente por ser a fase inicial, quando os alunos adquirem ensinamentos e as dificuldades para os profissionais acabam sendo ainda maiores. É muito provável que haja prejuízo bastante grande, porque as crianças não estão na presença dos professores”, explica o consultor de Educação do Senado, José Edmar de Queiroz.
A deputada Lêda Borges (PSDB), que é professora por formação e atuou como profissional da Educação no Governo do Distrito Federal (GDF), endossa essa preocupação. “Esse sistema remoto não atinge as crianças que estão sendo alfabetizadas. Tem que ser um trabalho presencial, com o professor intermediando o desenvolvimento dessas crianças”, opina.
A importância da alfabetização na infância é um ponto de intersecção entre os estudos de diversos campos, como a Pedagogia, a Psicologia e as Políticas Públicas. A psicopedagoga Milena Trimer avalia que o processo vai além da questão acadêmica, mas reverbera até mesmo sobre a autopercepção e o reconhecimento social da criança. “Se o desenvolvimento da linguagem é o primeiro grande passo da criança para compreender sua realidade, o desenvolvimento da capacidade de ler e escrever permite à criança desenvolver seu cérebro e abri-lo para compreender a realidade e seu próprio papel no mundo.”
A profissional da educação também chama a atenção para a complexidade dessa etapa da vida escolar. “Apesar de sua importância e da aparente naturalidade desse avanço, temos que lembrar que ler e escrever não é um processo natural. Alfabetizar-se significa conhecer um código inventado e que carrega muito da cultura da sociedade que a criou”, enfatiza Milena.
Em que pese a importância da alfabetização na infância, ainda há muitas pessoas que não tiveram essa oportunidade. Assim, cabe ao Governo abrir essa porta na vida adulta, como ocorre com os programas de Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Em debate sobre o tema, o deputado Alysson Lima (Solidariedade) defendeu investimentos nessa modalidade de ensino. “O EJA configura-se como um dos meios pedagógicos para se tentar erradicar o analfabetismo. O EJA é destinado àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria”, exemplificou o parlamentar.
2021
A alfabetização foi objeto de discussão de várias matérias discutidas na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) em 2021. De iniciativa do líder do Governo na Casa, deputado Bruno Peixoto (MDB), tramita o projeto de lei n° 7516/21, que trata das adequações necessárias para a adesão de Goiás à Política Nacional de Alfabetização, definida pelo Decreto Federal n° 9.765, de 11 de abril de 2019. “Propomos ao Estado de Goiás se juntar a adoção de princípios, objetivos e diretrizes do Decreto Federal, como mais uma arma no combate ao analfabetismo”, defende o parlamentar.
O texto proposto por Bruno destaca o estímulo à educação literária e o envolvimento da comunidade escolar no processo de aquisição da linguagem escrita pelos estudantes. “O Estado criará condições para estimular os hábitos de leitura e escrita e a apreciação literária por meio de ações que os integrem à prática cotidiana das famílias, das escolas, das bibliotecas e de outras instituições educacionais, de modo a fomentar a educação literária”, dispõe o parágrafo único do art. 1° da propositura. A matéria encontra-se em discussão na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ).
Algumas matérias do Governo sobre essa temática já foram sancionadas, como o AlfaMais Goiás, um programa estadual de alfabetização infantil. Sancionada em agosto deste ano, a Lei nº 21.071, que tramitou na Alego como projeto nº 6303/21, contemplará mais de 200 mil estudantes e 8 mil professores, inseridos nessas etapas iniciais do ensino básico.
Dentre os principais incentivos, a serem trazidos com a implantação do programa, está a instituição do ICMS Educacional. Elaborada em parceria com a Secretaria de Economia, a iniciativa propõe que indicadores de qualidade no ensino, como o fluxo escolar e os resultados obtidos em avaliações de desempenho, sejam levados em consideração para o cálculo da distribuição da cota-parte municipal do referido imposto.
A lei também prevê a oferta de prêmios de até R$ 80 mil para as 150 escolas que apresentarem os melhores desempenhos, dentro dos objetivos do programa. Serão disponibilizadas, igualmente, ao longo de 12 meses, mais de 800 bolsas a educadores. Os valores das bolsas variam de R$ 600 a R$ 2 mil.
Também no mês de agosto, o Governo sancionou a Lei Estadual nº 21.072 (projeto nº 6305/21). Dentre outras medidas de incentivo a públicos específicos, a matéria criou o Bolsa Alfabetizador, com objetivo de promover a alfabetização de adultos em situação de vulnerabilidade. O texto, agora vigente, pretende dar assistência financeira a alfabetizadores para a execução didático–pedagógica do processo de alfabetização, propiciar melhores condições de inserção social e econômica a analfabetos jovens e adultos e reduzir os efeitos da situação de risco social nesse contingente.
São elegíveis para o recebimento do auxílio os alfabetizadores acima de 18 anos que tenham formação docente ou estejam cursando pedagogia ou alguma licenciatura. “O valor do auxílio será de R$ 4.800,00, em quatro parcelas mensais de R$ 1.200,00”, determina a matéria. O texto também especifica que serão contemplados 340 alfabetizadores, com previsão de um impacto aproximado de R$ 1,632 milhão.
Também de autoria da própria Governadoria, foi sancionada a Lei Estadual nº 21.073, correspondente ao projeto de lei nº 6304/21. A Lei de Incentivo à Alfabetização (LEIA) visa premiar escolas públicas das redes estadual e municipais de ensino que obtiverem os melhores resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de Goiás na Alfabetização (Idego-Alfa) e no Sistema de Avaliação Educacional do Estado de Goiás (Saego).
A premiação, conforme a lei, será no valor de até R$ 80 mil às escolas da rede pública de Goiás que obtiverem os melhores resultados no Saego-Alfa. Para as instituições com resultados menos promissores, o fomento será de até R$ 40 mil. As escolas premiadas ficarão responsáveis por desenvolver, durante o período de um ano, ações de cooperação técnico-pedagógica com uma das escolas que tenham obtido os resultados menos promissores.
Passado e futuro
Cerca de 11 milhões de brasileiros ainda são considerados analfabetos, o que é um número alarmante e muito aquém das metas estabelecidas. Porém, é inegável que houve avanços. Em 1991, por exemplo, 37 milhões de pessoas com mais de 15 anos não sabiam ler nem escrever no Brasil.
Tais resultados estão intrinsecamente relacionados aos investimentos voltados à educação pública, que em apenas 15 anos, de 2000 a 2015, praticamente dobraram, indo de R$ 46,8 bilhões para R$ 91,8 bilhões. Os dados que demonstram a ampliação quase universalizada do acesso à Educação, foram computados a partir do cruzamento de informações divulgadas nos Censos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) do Ministério da Educação (MEC) e na evolução dos indicadores do PIB fornecidos pelo Banco Mundial.
Para garantir alfabetização e letramento a nossas crianças, jovens e adultos são necessárias verbas públicas robustas e bem utilizadas, que incluam, por exemplo, a valorização e qualificação técnica dos docentes e políticas de incentivo à escolarização na idade certa.