Em audiência pública na Alego, autoridades e estudiosos discutiram a regulamentação da cannabis

Na manhã desta quarta-feira, 4, a Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego) realizou uma audiência pública dedicada à discussão sobre a cannabis. O evento foi promovido pelo deputado Mauro Rubem (PT) e reuniu líderes e especialistas no assunto, proporcionando um espaço para contribuições e debates significativos sobre a regulamentação e o acesso ao tratamento medicinal à base de cannabis pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Compuseram a mesa do encontro, além do deputado: a advogada e coordenadora do Mente Sativa, Kelly Cristina Gonçalves; o sociólogo Marcelo Soldan; o militante do Movimento de Direitos Humanos e diretor do Mente Sativa, Fabrício Rosa; a educadora canábica Luna Vargas; a professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) Abadia dos Reis Nascimento; o promotor do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), Mário Caixeta; e o defensor público Tairo Esperança.
Ao abrir o evento, Rubem destacou a importância de não atrasar o Brasil em relação ao tratamento de saúde e à liberdade das pessoas no que diz respeito ao uso recreativo da maconha. Ele ressaltou que a cannabis é uma questão mundialmente debatida e faz parte de estratégias de redução de danos e eliminação de drogas prejudiciais, como crack e cocaína. “É fundamental reconhecer o protagonismo dos movimentos sociais e ativistas que lutam pela causa, quebrando preconceitos e promovendo a conscientização.”
O deputado abordou a importância econômica da maconha, não apenas para a vida das pessoas, mas também para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Ele destacou que a audiência pública faz parte de uma série de programações relacionadas à cannabis, incluindo a Marcha da Maconha, programada para o próximo domingo, 8, e debates subsequentes sobre o tema.
O legislador enfatizou a necessidade de atualizar as políticas brasileiras em relação à cannabis, mencionando que, em muitos aspectos, “o país parece estar preso no século 15 em sua abordagem ao tema”. O deputado encerrou sua fala expressando sua determinação em continuar trabalhando na defesa dos direitos e na promoção de políticas mais informadas em relação à cannabis, visando o bem-estar da população brasileira.
Visões
Marcelo Soldan, sociólogo e representante do Coletivo Mente Sativa, iniciou sua participação enfatizando a importância do enfrentamento à guerra às drogas. Ele argumentou que essa política repressiva tem resultado em violência, encarceramento em massa e negação de direitos às pessoas. Soldan também destacou o potencial econômico, cultural e científico que a legalização da cannabis pode trazer, e a necessidade de investir em conscientização, tratamento e terapia em vez de instituições manicomiais.
Kelly Cristina Gonçalves, advogada e coordenadora do mesmo Coletivo, enalteceu a presença significativa de pessoas engajadas na luta e enfatizou que a legalização não significa incentivar o uso, mas sim denunciar o fracasso de uma política proibicionista que tem atingido desproporcionalmente a população negra e periférica. Ela chamou a atenção para a situação das mulheres encarceradas devido a crimes relacionados a drogas e a necessidade de mudanças nesse sistema.
Fabrício Rosa, militante do Movimento de Direitos Humanos e diretor do Mente Sativa, destacou a importância de não ter medo na busca pela liberdade. Ele levantou vários mitos sobre a legalização, destacando que a luta não incentiva o uso, mas sim denuncia a violência estatal e a utilização do sistema penal para resolver questões de saúde pública. Ele também discutiu vários modelos de regulamentação da cannabis, ressaltando a necessidade de uma abordagem responsável que promova a segurança e a saúde pública.
Caroline Cirino, do Grupo Mães de Cannabis, enfatizou a importância do uso medicinal da planta e como ela tem sido fundamental no controle da dor muscular e da ansiedade. Cirino também ressalta a necessidade de conscientizar a população sobre o uso responsável da cannabis e o impacto positivo que isso pode ter na sociedade. “Muitas mães, especialmente as de baixa renda e negras, enfrentam dificuldades para obter o óleo de cannabis para seus filhos, que sofrem de patologias severas.”
Já a educadora canábica Luna Vargas ressaltou na audiência o potencial de Goiás para liderar a regulamentação da cannabis no Brasil, dada sua vocação agrícola e a importância de alinhar a produção do vegetal com as pesquisas da Universidade Federal de Goiás (UFG). Ela também elencou a importância de políticas públicas baseadas em evidências científicas e enfatizou que a vontade política desempenha um papel crucial na regulamentação da cannabis. Luna menciona a experiência de outros países que legalizaram a cannabis, destacando a necessidade de considerar as particularidades do Brasil e a diversidade de sua população.
Abadia dos Reis Nascimento, pesquisadora e professora da UFG, inaugurou sua fala dizendo que a instituição está sempre de portas abertas para discutir esse assunto. "Precisamos sempre discutir e divulgar estudos e resultados, só assim podemos esclarecer a população.”
A professora disse que é fundamental ter as pesquisas realizadas no Estado, pois esse é um passo muito importante para que haja a liberação e o acesso ao medicamento. "Senão vamos ficar buscando esse produto sempre lá fora. Aqui temos uma grande amplitude térmica com uma variabilidade grande que agrada muitas espécies. Já abraçamos essa causa e precisamos avançar através das pesquisas, desenvolvendo essa espécie. Nosso potencial é gigante”, finalizou a pesquisadora.
Ministério Público e Defensoria se pronunciam
O promotor de justiça Mário Caixeta falou da importância da discussão sobre a política proibicionista das drogas, especialmente em relação à cannabis. “A política proibicionista é, em essência, falaciosa, violenta, repulsiva e preconceituosa, visando atingir um público específico, em sua maioria formado por pessoas negras e pobres”, apontou.
No entanto, Caixeta ressalta que, apesar dessa política proibicionista que mantém um estado de guerra e na promove execuções de pessoas pobres e negras pelas forças policiais, é necessário buscar a promoção da saúde como objetivo declarado. Ele enfatiza a importância do letramento antirracista, antimanicomial e antiproibicionista, que deve ser levado às universidades, faculdades de direito, Ministério Público e ao Poder Judiciário.
O defensor público Tairo Esperança, por sua vez, destacou a ineficácia da lei de drogas em proteger a saúde pública. Ele argumentou que o porte de drogas para uso pessoal não deveria ser criminalizado, pois o direito penal é um instrumento repressivo máximo do Estado e só deve ser utilizado em situações em que não há alternativas. “A distinção entre usuário e traficante com base em critérios como antecedentes e condições sociais leva à criminalização injusta de pessoas pobres”, alertou.
Ele defendeu a regulamentação das substâncias e políticas públicas de saúde eficazes para lidar com a dependência, argumentando que a criminalização não é a solução adequada. “Nesse contexto, a Defensoria Pública atua como um instrumento democrático para promover direitos humanos e proteger as pessoas em situação de vulnerabilidade”, pontuou.