Dia Mundial do Urbanismo
Instituído em 1949 e celebrado a cada 8 de novembro pela Organização das Nações Unidas, o Dia Mundial do Urbanismo evoca a importância da interação das populações com o meio urbano, algo crucial para a qualidade de vida.
O urbanismo é refratado em inúmeros elementos e aspectos cotidianos, como coleta de lixo, drenagem, poluição, oferta de serviços, desigualdade social, segregação espacial, mobilidade urbana, sustentabilidade, patrimônio histórico e cultural, calçadas, paisagens, áreas verdes, acessibilidade e ocupação de espaços públicos.
É por meio do urbanismo, ainda, que as cidades podem se tornar mais resilientes e adaptadas às mudanças climáticas, o que envolve, por exemplo, sistemas de alerta preventivo, avaliações de risco e infraestrutura verde que diminui temperaturas.
A data de hoje, ao promover a conscientização sobre o tema, tem importância especial em países como o Brasil, onde os conhecimentos urbanísticos são pouco difundidos.
“A gente precisa de mais programas e projetos de educação patrimonial. Ou de educação para a cidade como uma disciplina para o ensino fundamental, depois médio, para você entender o funcionamento urbano”, afirma a arquiteta, urbanista e doutora em geografia urbana Maria Ester, professora da PUC Goiás. “A cidade não tem um manual de instruções ensinando como utilizá-la, o que fazer com os artefatos e espaços, isso não é ensinado. Tem que ser uma pauta permanente, contínua”, sustenta.
Maria Ester cita como exemplo de educação urbanística e ambiental a premiação CAU Educa, concurso promovido pelo Conselho de Arquitetura brasileiro (CAU-BR).
Trazendo o tema para Goiás, ela observa que, em Goiânia, fundada em 1933, fala-se pouco de patrimônio histórico. “Existe no imaginário que histórico é aquilo que é secular, que tem 200, 300 anos”, diz, exemplificando: “Uma edificação que existe na rua 84, que hoje é galeria de arte, a Galeria Cerrado, é uma construção modernista, é patrimônio histórico. O Jóquei Clube, do Paulo Mendes da Rocha, é uma edificação de arquitetura brutalista, um exemplar espetacular dela, e tem gente que acha que tem que demolir”.
Mas o “sintoma maior” da falta de educação para as cidades seria a nossa relação com o trânsito. “A gente passa os primeiros 18 anos de vida vivendo no trânsito, seja a pé, de bicicleta, de carro ou de ônibus, mas a primeira vez que vai conversar sobre o que é realmente usar o trânsito é quando tem 18 anos e faz isso obrigado porque quer uma carteira de motorista. Depois a gente fura sinal, não para em faixa de pedestres, estaciona em local errado e acha que a lei não serve”, pontua Maria Ester.
Crescimento de Goiânia e entorno, segundo do País, se traduz em desafios
De acordo com o censo demográfico de 2022, 59% dos goianos vivem nas chamadas concentrações urbanas, que, para o IBGE, são arranjos populacionais ou municípios isolados com mais de 100 mil habitantes. Os arranjos populacionais são formados por municípios com forte integração, geralmente conurbados.
Goiás se destacou no Censo, inclusive, por ter a segunda concentração urbana que mais cresceu no País desde 2010 – a de Goiânia e 14 municípios vizinhos, que chegou a 2.480.667 habitantes. Além disso, são goianos os oito municípios que compõem, com a Capital Federal, a concentração urbana de Brasília, a terceira de maior crescimento no período, agora com 3.858.028 moradores (1.040.960 excetuando Brasília).
É nessas duas concentrações que metade dos goianos vive. Mais especificamente, de cada 100 goianos, 50 vivem na concentração de Goiânia e municípios vizinhos ou no Entorno de Brasília. Nove moram nos municípios de mais de 100 mil habitantes separados das duas capitais (Rio Verde, Anápolis, Formosa, Catalão, Itumbiara e Jataí); e os 41 restantes moram fora das concentrações urbanas.
O urbanismo em regiões de crescimento acelerado, como Goiânia e Brasília e seus entornos, apresenta ainda mais desafios.
Falando sobre a Capital goiana, a doutora em paisagem e ambiente pela USP Lana Jubé, também professora da PUC-Goiás, questiona o excesso de verticalização. “Temos torres com 20 metros de distância uma da outra, janelas que querendo ou não vão ter vista uma para outra”, afirma. “Há uma cultura de verticalização muito grande por parte dos empreendedores, um misto de pressão de incorporadores com aplicações que não são muito inteligentes e uma sociedade não esclarecida sobre urbanismo”.
Ela ressalta que a edificação de arranha-céus exige “calçadas mais largas, recuos maiores, uma infraestrutura [urbana] maior. A densidade [populacional] maior tem que ser junto a grandes avenidas com canteiros centrais”. Além disso, pontua, se a ideia é adensar a cidade, pode-se modelar os desdobramentos do adensamento com ajuda da tecnologia. “Hoje em dia, tem muito software para ajudar a modelar”.
Maria Ester, por sua vez, chama atenção para o desafio da cidade espraiada, aquela que “vai tendo a área territorial urbana expandida, mas não vai sendo ocupada [na mesma proporção em que se expande], porque essa expansão só serve para o vendedor do lote”.
As implicações disso vão além do encarecimento gerado pela especulação imobiliária. A gestão pública precisa, por exemplo, manter o fornecimento de serviços do tamanho que tem a cidade, o que significa custo para levar serviços a áreas pouco ocupadas.
“A projeção para os próximos anos é que isso continue”, afirma Maria Ester. “O Plano Diretor [de Goiânia, de 2022] permite que a zona rural se torne zona urbana. Seria preciso diminuir o impacto dessa desigualdade de formato, porque você tem uma cidade enorme territorialmente mas uma gestão miúda, um grande espaço sem ocupação”.
Questionada sobre a diferença de desafios entre a concentração urbana de Goiânia e a de Brasília, ela afirma que é sobretudo uma questão de escala. “No Entorno do Distrito Federal, há uma vulnerabilidade muito maior, o urbanismo é posto ainda mais em xeque. Quem pode pagar, ganha um bom desenho urbanístico”.
A solução para as cidades espraiadas, diz, passa por ações como “deixar áreas como zona rural, criar áreas para a gente produzir alimento, ter espaços verdes de respiro e fazer com que a cidade aconteça mais perto das pessoas”.
Outro desafio, esse apontado por Lana Jubé, é “trabalhar com as prefeituras para reconhecer todos os recursos hídricos, as nascentes, as matas nativas, as encostas de morro, as cumeeiras e demarcar urgentemente esse perímetro como área de proteção ambiental, o que se vincula à saúde pública em termos de qualidade do ar, do clima”.
Segundo Lana, uma cidade se torna inclusiva quando “demarca comunidades, territórios que podem ser ocupados por um, dois, três bairros, respeitando a geografia ambiental, projetando não loteamento, mas urbanidade. É preciso transformar o espaço público em um grande espaço de vivência da sociedade”.
Questionada sobre os desafios urbanísticos das cidades goianas de médio porte fora das concentrações urbanas de Goiânia e Brasília, como Rio Verde e Itumbiara, Maria Ester sustenta serem as mesmas apenas com dimensões menores. “Todas têm problemas de trânsito intenso para ruas pequenas, microclima exacerbado, população de rua, problemas de esgotamento, saneamento e transporte público de modo geral”.
Projetos em trâmite no Legislativo abarcam inclusão e sustentabilidade
A inclusão é parte das preocupações elencadas no projeto de lei no 8981/23, de Virmondes Cruvinel (UB), em trâmite no Legislativo goiano. A proposta é instituir a Política Estadual de Urbanismo Social nas macrorregiões de Goiás, ficando esse urbanismo entendido como “o conjunto de práticas, estratégias e instrumentos destinados à promoção de cidades mais justas, inclusivas e sustentáveis”.
Estabelece-se no projeto que os pilares do urbanismo social, “todos relacionados à mobilidade urbana e suas soluções”, são a priorização do deslocamento a pé, a conectividade e o uso misto (estratégia urbanística de diferentes usos em um mesmo espaço, como residencial, comercial, de serviços públicos etc.).
Constam, entre os objetivos da matéria, o de fomentar o desenvolvimento urbano sustentável e resiliente e o de estimular a participação popular no planejamento urbano. Dispõe-se que deve ser promovida cooperação com “municípios, visando alinhar as políticas locais de urbanismo com as diretrizes estaduais. O Governo Federal, para acesso a programas nacionais de desenvolvimento urbano; organizações internacionais e outros estados, para troca de experiências e melhores práticas”.
Outra proposição em trâmite na Assembleia Legislativa estadual é a de no 11282/24, de André do Premium (Avante), com diretrizes para cidades inteligentes em Goiás. O objetivo é o estabelecer os princípios e regras que nortearão a implantação de equipamentos, dispositivos e infraestrutura para cidades inteligentes no Estado.
São elencados como principais princípios o desenvolvimento coletivo em detrimento dos interesses individuais; o crescimento equilibrado do território da cidade, evitando o investimento restrito às zonas mais rentáveis do município; o equilíbrio da oferta de infraestrutura e de serviços sociais na cidade, garantindo o acesso a todos os cidadãos; e a distribuição igualitária e inteligente de investimentos externos e recursos do município.
Tornou-se lei recentemente projeto do próprio André do Premium instituindo a Semana Estadual das Cidades Inteligentes, Lei nº 22.953, de 28 de agosto de 2024, prevendo a implementação de infraestruturas tecnológicas avançadas; a mobilidade sustentável e a conectividade à rede de internet gratuita em espaços públicos; e a promoção de políticas sustentáveis, bem como a proteção ao meio ambiente.
Outra lei recente é a de no 23.032, de 18 de outubro de 2024, de Dra. Zeli (UB), instituidora da Semana Estadual de Valorização dos Municípios do Entorno do Distrito Federal, com estímulo à adoção de políticas públicas de incentivo ao crescimento econômico dos municípios do Entorno do Distrito Federal, passando pelo incentivo e valorização do empreendedorismo na região e debate sobre as desigualdades regionais.
Urbanismo é contribuição essencial contra tragédias climáticas
Com tragédias como a ocorrida no Rio Grande do Sul, no final de abril, e no município espanhol de Valência, nos últimos dias de outubro, ganha proeminência o debate sobre o urbanismo que torna as cidades mais resilientes e adaptadas ao aquecimento global.
Lana Jubé ressalta a resiliência urbana que se ganha com “um lençol freático protegido e uma mata ciliar adequada, o que faz com que águas de chuvas desçam com menos velocidade, encharcando menos as ruas”. A urbanista menciona ainda estratégias próprias do urbanismo climático, como jardins de chuva, infraestrutura verde, biovaletas.
Maria Ester afirma que Goiânia é “como um presente para essa proposta” porque, em resposta à possível queda de produção agrícola e escassez de alimentos como efeitos do aquecimento global, “com o território largo que a gente tem, com essa quantidade de espaço vazio, pode-se ter uma produção de alimentos aqui dentro da área urbana. Toda a parte de hortaliça, de verduras, de frutas, poderia ser produzida aqui e até mesmo pequenas criações de animais”.
Outro ponto são os praticamente seis meses em que Goiás fica sem chuvas: “Ser resiliente nesse momento é você fazer um planejamento e reservar a água, você ter essa nova relação de consumo orientada à população a partir da gestão, para que no momento da seca a gente esteja abastecido minimamente de água”, afirma Maria Ester.
Ainda como estratégia de resiliência ela menciona a contribuição das árvores para melhorar a umidade relativa do ar, sendo a arborização atual e potencial de Goiânia um trunfo para torná-la uma cidade mais resiliente.
Goiás apresenta segundo menor índice de moradores em favelas e comunidades no País
Também importante para o urbanismo é a questão das favelas, cujo mapeamento nacional pelo Censo de 2022 foi divulgado justamente nesta sexta-feira, 8, pelo IBGE.
O Censo verificou a existência de 152 favelas e comunidades urbanas em Goiás, mais da metade delas concentradas em Goiânia (55), Novo Gama (14) e Águas Lindas de Goiás (13). O total de favelas, em Goiás, foi o 18º maior entre as 27 unidades da federação.
Em relação ao total de percentual de pessoas residentes em favelas e comunidades urbanas no total de pessoas residentes, no entanto, Goiás obteve o segundo melhor resultado nacional, com 1,3% de habitantes vivendo nesses locais, ou 94.518 dos 7.055.228 habitantes do Estado. O melhor índice foi o do Mato Grosso do Sul (0,6%).
Em Goiânia, 24.817 dos 1.437.366 moradores da Capital vivem em favelas ou comunidades urbanas, uma proporção de 1,7%. Esse percentual é o segundo menor entre as capitais do País.
“Temos pouca gente em condição de favela, mas muita gente [vivendo] em péssimas condições”, avalia a professora Maria Ester, referindo-se especificamente à Goiânia. “Se a gestão pública quisesse, ela resolvia esse problema. São trabalhadores que vivem nesses lugares, não desocupados”.
Ela observa que, desde o início, há em Goiânia “pessoas que não encontram espaço na cidade formal. A primeira dessas ocupações é de 1936. É algo que é pouco falado”.
Sobre os méritos da Capital, as duas urbanistas apontam outros além dos mais conhecidos, como a relativa segurança ou a grande quantidade de parques, bosques e praças. Exaltando o projeto fundacional da cidade, de Attílio Corrêa Lima, a professora Lana Jubé diz ter sido “um projeto inicial que foi inteligente e gerou uma cultura de morar, as pessoas entenderam a importância das praças, das rotatórias, dos parques lineares”.
Maria Ester também destaca o planejamento de Goiânia: “É uma cidade construída num plano inclinado, e foi construída com uma intenção de ser cidade, nasceu com um propósito”, especifica, complementando: “Isso nos dá um pouco mais de espaço, por exemplo no Centro, que poderia ser referência do urbanismo mundial, porque ele é uma reprodução de um ponto do Palácio de Versalhes”.