Pela equidade social
Data é oportuna para reconhecimento, memória e compromisso com a valorização da cultura negra e com a superação do racismo estrutural. No Parlamento goiano, leis e ações têm lugar no enfrentamento às desigualdades raciais.
No dia 20 de novembro, comemoramos o Dia da Consciência Negra, data que convida o país a refletir sobre a escravidão, sobre o legado da população negra na formação do Brasil e sobre os desafios persistentes de racismo estrutural, desigualdade e representatividade. A data remete à morte de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares e símbolo de resistência contra a escravidão, e se consolidou como momento de reafirmação da memória e da identidade afro-brasileira.
Em tempo, racismo estrutural é definido como a discriminação racial enraizada nas estruturas da sociedade, instituições, relações sociais e políticas, de forma reiterada e, muitas vezes, no inconsciente das pessoas.
No contexto da data, o Estado de Goiás e em especial a Assembleia Legislativa do Estado (Alego) assumem papel ativo no enfrentamento dessas desigualdades, seja por meio de políticas públicas, legislação específica ou ações de promoção da equidade. Mais do que uma marca no calendário, a data torna-se uma ocasião para reafirmar o compromisso institucional e histórico da Alego com a cidadania plena.
Em Goiás, os números revelam a centralidade da população negra, entendida como a soma das pessoas que se declararam pretas ou pardas, e, ao mesmo tempo, apontam desigualdades importantes. Um estudo do Instituto Mauro Borges de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (IMB) indicou que 60,22% da população goiana se declara parda ou preta, porcentual superior à média nacional de 53,62%.
Outros dados registram que, conforme o Censo Demográfico de 2022, a proporção da população preta ou parda em Goiás passou de 56,54% em 2010 para 63,37% em 2022, um aumento de 6,83 pontos porcentuais. No entanto, essas representações numéricas contrastam com indicadores de acesso e participação. O estudo “Condições Socioeconômicas dos Negros em Goiás” mostra que pretos e pardos estão abaixo da média estadual em acesso a bens como computador com internet e transporte próprio.
Na esfera política-representativa, há notável sub-representação da população negra nos espaços de decisão. Por exemplo, conforme levantamento do IMB, dos deputados eleitos em 2014 para a Alego, apenas 2 se declaravam pretos, ainda que a população negra componha a maioria do Estado. Esses dados evidenciam que o reconhecimento simbólico da data precisa vir acompanhado de ações concretas. E é justamente aí que se insere o papel da Assembleia Legislativa, com leis, programas e projetos que visam a avançar na garantia da igualdade racial em Goiás.
Indicadores sociais
A presença majoritária desse grupo no Estado torna ainda mais relevante as discussões sobre igualdade de oportunidades, acesso à educação, condições de trabalho e combate ao racismo estrutural. Indicadores sociais revelam avanços, sobretudo em políticas educacionais e de promoção cultural, mas também evidenciam desafios persistentes, como disparidades de renda, de escolaridade e de representação política.
O Parlamento goiano tem buscado ampliar essas discussões no âmbito Legislativo, convocando debates, audiências públicas e sessões especiais que aprofundam a análise dos dados e estimulam ações voltadas à superação dessas desigualdades.
Ao longo dos últimos anos, a Alego aprovou leis importantes voltadas à inclusão e ao reconhecimento da herança cultural afro-brasileira. Entre elas, normas relacionadas ao combate ao racismo, à promoção da igualdade racial, à valorização de comunidades quilombolas e à implementação de diretrizes educacionais que contemplem a história e a cultura afro-brasileira no ambiente escolar. Paralelamente, projetos em tramitação tratam de temas como políticas afirmativas, fortalecimento de programas sociais e incentivo ao empreendedorismo negro, construindo um arcabouço institucional mais robusto em defesa dos direitos da população negra no Estado.
Recentemente, foi sancionada a Lei nº 23.389/2025, de 6 de maio de 2025, de iniciativa do Poder Executivo, que reserva 20% das vagas dos concursos públicos e processos seletivos simplificados para pessoas negras (pretas ou pardas) nos Poderes Executivo e Legislativo do Estado, sempre que o certame ofertar três ou mais vagas. Essa lei representa um marco relevante na política de promoção da representatividade e da inclusão laboral do público negro no serviço público estadual. Posteriormente, por meio da Lei nº 23.719/2025, de 1º de outubro de 2025, também de autoria da Governadoria, houve alteração que regula e detalha aspectos dos editais, por exemplo, a exigência de que especifiquem o total de vagas reservadas por cargo ou função.
Cotas
Além das cotas nos concursos, parlamentares goianos apresentaram e impulsionaram projetos voltados ao enfrentamento do racismo em diferentes esferas da vida social. Entre eles, está o projeto de lei nº 7936/24, assinado pelo deputado Virmondes Cruvinel (UB), em tramitação nas comissões temáticas, que estabelece diretrizes e mecanismos para combater o racismo nas relações de consumo no Estado. Também compõe esse repertório o projeto nº 925/22, proposto pelo deputado Karlos Cabral (PSB), que institui campanhas de combate ao racismo nas escolas e em eventos culturais e esportivos; e proposições que vedam restrições raciais em contratações privadas, reforçando a isonomia nas ofertas de emprego.
No campo simbólico e de mobilização social, a Alego promove e acolhe atividades em alusão à data, com programação aberta ao público e ações de valorização da cultura negra. Em 2024, o Parlamento realizou agenda especial que incluiu exibições audiovisuais e debates, em parceria com a Universidade Estadual de Goiás (UEG), por meio do Cineclube, além de ações educativas como o Abraço Negro, envolvendo estudantes da rede pública. Essas iniciativas se somam a palestras e cursos da Escola do Legislativo, a exemplo do ciclo “Racismo Estrutural e Antirracismo”, evidenciando o papel formativo do Poder Legislativo.
O diálogo com políticas estaduais também integra o horizonte de atuação. O Pacto Goiás Sem Racismo, instituído por decreto do Executivo e atualizado em 2025, prevê cooperação com órgãos e instituições para promoção da igualdade racial, inclusive com diretrizes para um Plano Estadual específico, contexto no qual a atuação legislativa, por meio de audiências, frentes parlamentares e apreciação de projetos, contribui para transformar compromissos em normas e práticas.
Essas iniciativas refletem o engajamento da Alego com a promoção da igualdade, mas ainda demandam acompanhamento, fiscalização e inserção em um programa mais amplo de políticas de promoção racial. No âmbito das políticas públicas, o Estado de Goiás, por meio do Programa Goiás Social, realizou o mapeamento profissional da população negra e de microempreendedores negros, com objetivo de identificar “onde estão e quem são” essas pessoas, bem como fomentar o diálogo com o setor produtivo para melhorar a empregabilidade e a geração de renda. Essas ações demonstram que a promoção da igualdade racial não se esgota na legislação, mas precisa intersectar políticas de emprego, empreendedorismo e participação social.
Resgate
É necessário, portanto, refletir sobre a dimensão simbólica e política do Dia da Consciência Negra, sendo um momento de resgatar a memória do povo africano e afro-brasileiro, de reconhecer suas contribuições para a formação de Goiás e do Brasil, seja no trabalho escravo, na resistência cultural, no sincretismo religioso, na economia informal ou no empresariado negro, e de reafirmar que a cidadania plena ainda exige superação de barreiras históricas. E é neste contexto que a Alego promove debates, produção de leis, programas e fiscalização de implementações.
No contexto atual, o enfrentamento ao racismo permanece como um desafio estrutural. Questões relacionadas à desigualdade educacional, à sub-representação nos espaços de poder, à violência racial e às barreiras no mercado de trabalho evidenciam a necessidade de políticas permanentes e efetivas. A Alego busca responder a essas demandas por meio da função legislativa, da fiscalização das políticas públicas e do diálogo constante com a sociedade civil.
Em sua missão institucional, cabe lembrar que o Poder Legislativo não é apenas palco de promulgação de leis, mas local de representação, controle e proposição. Assim, cabe aos deputados a tarefa de debater, fiscalizar e direcionar políticas que efetivamente alcancem a população negra, não apenas como beneficiária, mas como agente protagonista. No âmbito das discussões conduzidas pelo Parlamento goiano sobre a promoção da equidade racial e o enfrentamento ao racismo, os deputados estaduais têm contribuído com reflexões que traduzem, sob diferentes perspectivas, a relevância histórica e social do Dia da Consciência Negra.
Entre as vozes que têm marcado o debate, destaca-se a do deputado Ricardo Quirino (Republicanos), cuja atuação se concentra na defesa de políticas públicas e iniciativas legislativas voltadas à valorização da população negra e ao combate às desigualdades estruturais ainda presentes no Estado e no País.
Ao falar sobre a data e sua importância, Quirino ressalta a atuação do Poder Legislativo na criação de políticas públicas e instrumentos legais voltados à promoção da igualdade racial e ao combate ao racismo em Goiás. Para ele, o papel do Legislativo vai além da aprovação de leis, abrangendo também a conscientização e a valorização da história da população negra.
“O principal papel da Assembleia Legislativa está em estar atenta a todas as violações e ao enfrentamento ao racismo, por meio da criação de projetos de lei que impeçam essas práticas e valorizem a igualdade racial”, afirma o parlamentar. Quirino destaca, ainda, a relevância de iniciativas complementares, como programas de conscientização, campanhas educativas, seminários e ações de divulgação que ajudem a sensibilizar a sociedade sobre a importância de erradicar o preconceito racial. “O racismo tem que ser erradicado. Infelizmente, não é um problema só de Goiás, é de todo o Brasil”, pontua.
Transformação
O deputado observa que a desigualdade entre brancos e negros ainda se manifesta de forma marcante em setores como educação, economia e participação nos espaços de poder, e defende o estímulo ao mérito e à educação como caminhos de transformação. “A maioria da população negra ainda tem uma condição socioeconômica muito inferior, e isso dificulta o acesso a uma educação de boa qualidade. É preciso abrir portas para que essa população seja mais respeitada”, ressalta.
Ricardo lembra que as desigualdades atuais são fruto de raízes históricas profundas e que “não se mudam em dez, 20 ou 30 anos”, considerando o longo processo de marginalização social a que os negros foram submetidos no país. Ele também reflete sobre o papel da representatividade e da mudança de mentalidade na mídia e na publicidade, afirmando que “durante muito tempo, peças publicitárias que retratavam tecnologia ou avanços mostravam apenas modelos brancos, enquanto campanhas sociais eram associadas a imagens de pessoas negras”, o que, segundo ele, reforçava estereótipos e desigualdades.
Sobre o tema das políticas afirmativas, o legislador é enfático em seu apoio às cotas raciais como ferramenta de justiça social e valorização do mérito. “Eu sou totalmente a favor das cotas, porque elas não são um benefício, mas uma forma de valorização dos melhores. A população negra não quer facilidade, só quer ser olhada no mesmo nível de igualdade”, ressaltou.
Para o parlamentar, a implementação de ações afirmativas e a manutenção de políticas de incentivo são fundamentais para que “as crianças negras que hoje nascem em lares pobres e à margem da sociedade possam sonhar e ter oportunidades reais de ascensão”.
Ao compreender todo esse contexto, chega-se à conclusão, portanto, que celebrar o Dia da Consciência Negra é mais do que reconhecer, é comprometer-se. A Alego, por meio das leis que por ela nascem e dos debates que por ela são produzidos, se torna um importante instrumento, mas o verdadeiro progresso se dará na mudança das estruturas, na ampliação da representatividade, no acesso equitativo às oportunidades e no empoderamento da população negra. É essencial que o dia 20 de novembro inspire não só reflexão, mas ação institucional, cidadã e transformadora para o Estado de Goiás.