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Deputadas e ex-deputadas estaduais opinam sobre as fake news

29 de Outubro de 2020 às 17:21
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Deputadas e ex-deputadas estaduais opinam sobre as fake news
Alego discute projetos sobre fake news
A crescente disseminação de notícias falsas na internet e nas redes sociais afeta a qualidade da democracia e por isso o fenômeno tem se convertido num dos principais focos dos debates referentes às eleições municipais que se aproximam. Nesta reportagem especial, que foi dividida em duas publicações, deputadas e ex-deputadas da Casa registram suas impressões sobre o tema em entrevistas concedidas para o projeto Mulheres no Legislativo. Confira a primeira parte da retrospectiva.

Apesar de notícias falsas não serem novidade e existirem há muito tempo, a sua  crescente disseminação ganhou força graças ao surgimento da internet e das redes sociais. Esse fenômeno, que já extrapola até mesmo o universo da mídia, tem sido, via de regra, utilizado como uma poderosa arma de distorção da realidade, cujas verdades são agora construídas e divulgadas conforme o interesse de quem as propaga. A ação, que se torna especialmente perversa nos períodos eleitorais, vem trazendo graves prejuízos às democracias ao redor do mundo. 

Isso foi o que se pôde particularmente observar nas últimas eleições presidenciais, realizadas em 2018, no Brasil e, antes, em 2017, no pleito que elegeu o atual presidente dos EUA. Tanto lá quanto aqui, as respectivas vitórias de Donald Trump e Jair Bolsonaro revelaram que, com o protagonismo da internet e das redes sociais, a esfera política passaria a enfrentar, a partir de então, nacional e globalmente, novos desafios e ameaças.

O principal inconveniente estaria, então, justamente ligado ao aumento descontrolado das chamadas
fake news, que agora viralizam, com velocidades jamais vistas, pelo universo virtual e online.   

Com a proximidade das eleições municipais, o tema volta a ser destaque nos principais debates políticos e noticiários Brasil afora, sobretudo agora, tendo a internet ganhado ainda mais relevância diante das medidas de distanciamento social, adotadas para a contenção da pandemia do novo coronavírus (covid-19). Preocupada com os possíveis efeitos danosos do fenômeno no equilíbrio do jogo democrático, a Justiça Eleitoral tem lançado também campanhas em massa sobre o assunto em órgãos de imprensa e veículos de comunicação de todo o País. 

Diante desse cenário, políticos se veem, cada vez mais, obrigados a adotar estratégias de proteção pessoal a esses ataques virtuais, que não raramente são perpetrados por seus próprios adversários, o que também enquadra tal prática no que é considerado cyberbullying. “Quem não souber se projetar e se defender no meio digital, já não sabe fazer campanha política”, alertou, com muita tranquilidade e segurança, a ex-deputada Rose Cruvinel, na mais recente entrevista divulgada pelo projeto Mulheres no Legislativo da Alego (MnL). 

A ex-parlamentar comentou ainda sobre as atuais estratégias que ela mesma, como coordenadora, vem adotando para proteger a campanha de seu filho, que é candidato à Prefeitura de Goiânia (Rose é mãe do deputado estadual Virmondes Cruvinel Filho, do Cidadania). "Nós temos um grupo preparado para enfrentar essas guerrilhas, para monitorar as redes, acompanhar o que sai, fazer a primeira defesa e acionar a equipe que auxilia nisso. Em campanha majoritária, você tem que estar preparado para esses enfrentamentos. Com conhecimento das ferramentas digitais, temos nos preparado para detectar e contrapor essas investidas. A legislação está tentando avançar. Isso é importante, mas os candidatos não podem esperar as mudanças, porque o impacto é imediato", pontuou, na ocasião.

Estar preparado para detectar e contrapor esses boatos e notícias falsas, que se espalham com velocidade e intensidade hoje atribuídas, por exemplo, ao próprio novo coronavírus, é uma competência que se espera encontrar cada vez mais no perfil do eleitorado brasileiro. A comparação com o agente causador da pandemia, que vem sendo enfrentada ao longo de praticamente todo o ano de 2020, tem sido, inclusive, a estratégia atualmente usada na campanha divulgada pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com o slogan "Se for fake news, não transmita", o órgão tenta alertar e sensibilizar o eleitor sobre os efeitos deletérios que o compartilhamento de informações distorcidas pode acarretar para a democracia no País. 

Reflexões iniciais

Assim como Rose, outras deputadas que fizeram e fazem história no Parlamento goiano também deixaram suas impressões sobre o tema, em entrevistas igualmente concedidas em diversos momentos do MnL. Em duas edições anteriores à dela, Eliane Pinheiro, por exemplo, que exerceu seu mandato na Legislatura passada, já apresentava suas ponderações sobre o assunto. Em 2011, ela teve seu nome associado às investigações da Operação Monte Carlo, que foi deflagrada pela Polícia Federal para desarticular um esquema de exploração de jogos de azar e máquinas caça-níqueis, em Goiás. Preso, na ocasião, o contraventor Carlinhos Cachoeira foi apontado como o principal expoente do crime.

Para a ex-parlamentar, a palavra "confusão" seria a que melhor definiria tanto o cenário político atual, em geral, quanto a cabeça do próprio eleitor brasileiro. "As redes sociais, que vieram para fazer uma revolução no mundo, estão sendo um pouco a causa desse grande tumulto que estamos vendo acontecer aqui no nosso País. Isso porque elas têm uma eficácia contraditória, digamos, pois são, a um só tempo, benéficas e também maléficas. E seus aspectos negativos podem ser percebidos, sobretudo, na explosão das chamadas fake news. Qualquer pessoa pode ir lá, na rede social, e postar uma mentira. Isso afeta muito a política", observou Eliane, ao tecer comentários sobre o cenário político atual.

Essa qualidade, aparentemente ambígua e pouco conveniente, atribuída ao mundo virtual é particularmente o tema central de um documentário que tem dado o que falar no mundo do entretenimento online. Trata-se de "O Dilema das Redes", lançado em setembro desse ano por um dos principais canais de streaming mundial. O fenômeno das fake news é um dos inúmeros temas explorados ao longo da produção, que traz dados relevantes sobre o assunto. 

Em uma das entrevistas, o ex-designer ético da Google e atual CEO do Center for Humane Technology, Tristan Harris, afirma, por exemplo, que a velocidade de propagação de notícias falsas, na internet, chega a ser seis vezes maior do que a de informações verdadeiras. Com essa exponencial audiência, a veracidade e a credibilidade das informações acabam se convertendo em temas de menor importância até para os próprios administradores do universo virtual. Isso acontece porque esses, via de regra, tendem a estar, em geral, mais preocupados com os rendimentos monetários gerados por cada comentário e compartilhamento. “É um modelo de negócio que lucra com a desinformação”, arremata Harris, em certa altura do documentário.

Lucro para uns, prejuízo para muitos. A fala de Harris é emblemática porque coloca justamente em evidência o que talvez seja hoje o aspecto mais dramático da sociabilidade no capitalismo contemporâneo. Ele ilustra, com clareza, o quanto a falta de ética no mundo dos negócios (que se estende também à política) vem fatalmente impedindo o pleno desenvolvimento das democracias ao redor do planeta.

É claro que mentiras, calúnias, injúrias, difamações e distorções de todas as naturezas não são problemas que surgem apenas com o mundo virtual, mas parecem, sem dúvida, agravar-se a partir dele. Para enfrentar essa realidade, que normalmente se intensifica no período eleitoral, a Polícia Civil do Estado de Goiás vem sendo treinada através de cursos ministrados pela Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Cibernéticos (o órgão foi criado por lei estadual, sancionada em dezembro 2017, e começou a operar em março de 2018).

Comandada pela delegada Sabrina Leles de Lima Miranda, a equipe técnica do órgão já conta com 135 policiais aptos a iniciarem investigações no ramo, nas mais diferentes cidades do estado. “Agora, em época de eleição, precisamos estar preparados para enfrentar um aumento nas denúncias”, informa Sabrina, que já identifica a existência de certo padrão recorrente nas condutas denunciadas. “Via de regra, o candidato que disputa sua primeira eleição está mais exposto a situações em que seus opositores divulgam fatos da sua vida íntima e pessoal, na tentativa de macular a sua imagem. Por outro lado, aqueles que enfrentam a reeleição são mais surpreendidos com notícias que imputam crimes relacionados a má gestão e desvio de dinheiro público”, comenta. 

Para a delegada, essas divulgações de caráter difamatório acabam gerando impactos negativos ainda mais profundos do que outros tipos de crime. Segundo ela, isso ocorre porque, quando uma notícia falsa é divulgada, nesse contexto de disputa política e eleitoral, existe uma tendência de que a vítima da difamação acabe sendo condenada muito antes mesmo de ter a possibilidade legal de comprovar a sua inocência.  “O crime cibernético é extremamente grave, porque ele se utiliza de toda uma sofisticação para derrubar alguém, sem que a pessoa sequer enxergue, de fato, quem é o seu verdadeiro inimigo”, conclui Sabrina. 

Inocentadas, mas condenadas

A tese defendida pela delegada encontra eco em relatos concedidos por algumas das parlamentares e ex-parlamentares entrevistadas no MnL. O mais recente deles foi concedido pela deputada estadual Lêda Borges, que é correligionária de Eliane, no PSDB. Ela disputa novamente eleição como candidata à Prefeitura de Valparaíso de Goiás, cargo que ocupou, pela primeira vez, entre os anos de 2009 e 2012. 

Em 2017, Lêda enfrentou denúncias do Ministério Público nas quais era acusada de atos de improbidade administrativa relacionados ao período em que atuou como prefeita. Pela sentença condenatória, além do pagamento de multa, Lêda teria o mandato cassado e ficaria inelegível. Após recorrer da decisão da 1ª instância, a parlamentar foi inocentada, por unanimidade, na Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça (TJ-GO).

Mesmo assim, seu nome ficaria marcado para sempre. O dano legado faria, inclusive, com que Lêda chegasse a pensar, por diversas vezes, em abandonar a vida pública. "Isso é devastador, mexe com a sua vida íntima e abala a sua família. Seu nome é jogado no lixo, você aparece na televisão e nos jornais recebendo título de corrupta e no final não encontram nada. Decidem que não há provas, percebem que você é inocente, mas o estrago na sua imagem e na sua vida já foi feito e ninguém se responsabiliza por esses danos. O julgamento que tem como resultado a inocência nunca recebe o mesmo destaque que a denúncia que te alardeava como suspeita, como culpada. A cada eleição, reaparecem mais calúnias e mais difamação", desabafou Lêda, na ocasião.

Como ela bem já havia previsto, as máculas do passado associadas a seu nome não tardariam em voltar. Em agosto desse ano, Lêda sofreria novamente as mesmas acusações, sendo obrigada, mais uma vez, a recorrer judicialmente no âmbito do processo anteriormente citado. Escolada, a deputada afirma já não mais temer essas contendas de outrora. "Nós, mulheres, sofremos muita discriminação, mas eu não me permito me vitimizar. Do mesmo jeito que vem, volta. Aprendi a desconsiderar esses ataques infundados, a ser maior que eles, em nome dos projetos que preciso entregar para a população. Esse meu gênio não permite que eu me abale tanto", sustentou, com firmeza. 

Outras que aparentemente tiveram destinos semelhantes, foram as ex-deputadas Nelci (1995-1996) e Lila Spadoni (1999-2003). Mesmo pertencendo a gerações anteriores, onde a internet ainda não tinha o destaque que tem nos dias atuais, mãe e filha sofreram, ambas, tamanho desgaste que acabaram por abandonar, de uma vez por todas, a vida pública. 

Nelci, por exemplo, que foi também prefeita de Rio Verde (1997-2000), viu a sua imagem de mulher honesta, construída ao longo de anos de dedicação às causas sociais, desmoronar e ceder lugar a uma avalanche de acusações de corrupção e desvio de dinheiro público que, embora jamais comprovados, legaram-lhe um prejuízo irreversível, cujo desfecho foi a própria cassação de seus direitos políticos. “A política é uma coisa, assim, cheia de meandros que a gente desconhece”, desabafou, na entrevista concedida ao MnL, em meados do ano de 2019. 

Com o capital político herdado de sua mãe, Lila Spadoni enfrentou também, nos anos em que foi deputada na Alego, um destino muito parecido e do qual guarda, até hoje, amargas recordações. Em seu relato, ela, que tinha apenas 27 anos quando assumiu uma cadeira nessa Casa de Leis, recorda, por exemplo, as disputas travadas enquanto integrante da bancada de oposição ao então Governo de Goiás, que era comandado por Marconi Perillo (PSDB). “Para mim, o mais desafiador foi perceber que havia um jogo, uma disputa muito grande ali dentro do Parlamento, onde muitas vezes o interesse da população era relegado a jogos políticos, e a mulher colocada sempre em segundo, terceiro e quarto planos”, lamentou. Nos bastidores da entrevista, Lila comentaria ainda que as perseguições sofridas enquanto parlamentar continuariam a reverberar por algum tempo, mesmo após a sua saída da vida política, interferindo na sua própria carreira de professora universitária, que hoje, no entanto, já se encontra bem consolidada.   

Num universo de disputas tão acirradas, onde a ética, que deveria ser o principal fio condutor, fica, tantas vezes, de fora, a tarefa de encontrar o paradeiro da verdade acaba se tornando uma atividade bastante complicada. Diante dela, dá para imaginar quanto trabalho a equipe da delegada Sabrina terá pela frente, sobretudo agora, quando a falsificação de informações nas redes parece se aprimorar e ganhar ares ainda mais complexos. 

A observação parte da identificação da existência de um novo fenômeno conhecido como deep fake. "É uma ferramenta que se utiliza de sons e movimentos para criar vídeos falsos, além do que a edição já permitia. Por exemplo, dá para colocar na boca de um candidato palavras que ele nunca disse, ou seja, hoje em dia não dá mais para acreditar nem no que a gente vê com os próprios olhos", alerta o biólogo microbiologista Átila Iamarino, em publicidade que também integra, conforme já mencionado, a atual campanha do TSE sobre o tema.    

Atenção redobrada, pesquisa de dados em fontes oficiais, sites jornalísticos (ou de checagem de notícias) e compartilhamento de conteúdos apenas quando se tem absoluta segurança da sua veracidade são, portanto, algumas das principais orientações dadas pelas autoridades no assunto quanto às responsabilidades que qualquer cidadão deve assumir no combate à desinformação. "Nesse ano eleitoral, cuidado. Elas (as fake news) podem invadir seus grupos de WhatsApp, suas redes sociais e fazer um mal danado para a democracia. Fique atento. Quem espalha fake news, prejudica outras pessoas, a si mesmo e pode estar cometendo um crime", alerta Átila, ao final da campanha citada.

Na semana seguinte, leitoras e leitores (ou eleitoras e eleitores, visto que este especial se endereça a esse público, em particular) poderão acompanhar mais detalhes sobre o assunto. A matéria que dá sequência a essa primeira parte da publicação abordará questões referentes às ações em curso sobre o tema, incluindo um esboço sobre a legislação hoje vigente, e trazendo ainda mais alguns depoimentos apresentados pelas deputadas e ex-deputadas entrevistadas no MnL. Enfim, trará reflexões que, de forma geral, apontam as principais e atuais investidas perpetradas pelas instituições republicanas para o combate às famigeradas fake news. Aguarde e acompanhe.

Redação e pesquisa: Luciana Lima e Ana Cristina Fagundes
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