Brincar de viver

Fundamentais para a manutenção da saúde física e mental, as atividades de lazer vêm perdendo espaço para a internet. E para celebrar e conscientizar a importância da recreação, uma data especial foi instituída, ainda que informalmente, para celebrá-la. Embora não exista nenhuma lei que tenha acrescentado a data oficialmente ao calendário brasileiro, o 12 de setembro é considerado o Dia da Recreação. A data é celebrada anualmente pela Associação Brasileira de Recreadores (Abre) e visa promover a reflexão sobre a importância dos momentos de lazer individuais, em grupo ou em família.
Poema do Brincar
“Quando me virem a montar blocos, a construir casas, cidades…
… Não digam que estou só a brincar.
Porque a brincar estou a aprender, a aprender sobre o equilíbrio e as formas.
Um dia posso vir a ser Engenheiro ou Arquiteto.
Quando me virem coberto de tinta, ou a pintar, ou a esculpir e a moldar barro…
…Não digam que estou só a brincar.
Porque a brincar estou a aprender, a aprender sobre expressar-me e a criar.
Um dia posso vir a ser Artista ou Inventor.
Quando me virem sentado, a ler para uma plateia imaginária…
… Não digam que estou só a brincar.
Porque a brincar estou a aprender, a aprender a comunicar e a interpretar.
Um dia posso vir a ser Professora ou Atriz.
Quando me virem à procura de insetos no mato ou a encher os bolsos com bugigangas…
… Não digam que estou só a brincar.
Porque a brincar estou a aprender, a aprender a prestar atenção e a explorar.
Um dia posso vir a ser Cientista.
Quando me virem a pular, a saltar, a correr e a movimentar-me…
… Não digam que estou só a brincar.
Porque a brincar estou a aprender, a aprender como funciona o meu corpo.
Um dia posso vir a ser Médico, Enfermeiro ou Atleta.
Quando me perguntarem o que fiz na escola, e eu disser que brinquei…
… Não me entendam mal.
Porque a brincar estou a aprender, a aprender a trabalhar com prazer e eficiência, estou a preparar-me para o futuro.
Hoje sou Criança e o meu trabalho é Brincar”
(Autor Desconhecido)
O poema, extraído do blog “Urgente Brincar”, retrata um pouco da importância das brincadeiras, da “hora do recreio” para a meninada. Mas, distante de despertar somente para o aprendizado de uma profissão, como sugere a poesia, os momentos de lazer podem ser responsáveis por uma série de benefícios. E não apenas para as crianças, mas também para os adultos.
A professora Lígia Ferreira sabe bem disso. Os passeios ao clube, em parques, pracinhas e em outros locais em que as duas filhas possam brincar à vontade são sagrados, pelo menos, uma vez por semana. Ela conta que as meninas, de 5 e 7 anos, adoram esses momentos e esperam, ansiosamente, por eles. “Elas perguntam todos os dias sobre aonde iremos, que brincadeiras vamos ter, se mais alguém vai conosco. A gente percebe, claramente, o quanto elas sentem prazer nessas atividades.”
Além da alegria, a professora acredita que os momentos de lazer com a família reunida resultam em muito mais efeitos positivos para todos os integrantes. Segundo Lígia, nesses eventos há uma verdadeira interação entre os pais e as filhas, sem nenhuma interferência de TVs, telefones celulares ou computadores. Todos se comunicam: falam, ouvem, reclamam, elogiam, trocam experiências, ensinamentos...
“Durante a semana, todos têm suas atividades de trabalho e estudo, às vezes falta tempo para essa interação e, por consequência, até para percebermos problemas que podem estar acontecendo com elas. Na hora da brincadeira, além do verbal, a gente também percebe, por outras formas de comunicação, que elas não estão bem, que estão contrariadas, preocupadas... são momentos também de nos entendermos. A gente ensina e a gente aprende”, avalia a educadora.
Doutorando em Educação Física com foco nos estudos da recreação, Cleber Leão Mena Junior atesta que a ciência explica o que Lígia vive, na prática. E diz que já está comprovado que atividades dessa natureza são essenciais no processo de desenvolvimento das pessoas e isso independe da idade. “A recreação desempenha um papel fundamental no desenvolvimento de pessoas de todas as idades, pois aborda os aspectos individuais de cada fase da vida, que chamo de MAC+ST (motores, afetivos, cognitivos, sociais e tecnológicos). Conhecer esses aspectos permite a criação de atividades recreativas que atendam às necessidades de cada faixa etária. Portanto, sempre que houver a necessidade de desenvolver esses aspectos, a recreação é importante, independentemente da fase da vida.”
Mas... o que é recreação?
Segundo Cléber Júnior, mestre em ensino e presidente da Associação Brasileira dos Recreadores (Abre), a literatura específica é farta em definições sobre o que é a recreação. Porém, um conceito que ele acredita que pode exemplificar bem define como “uma atividade lúdica mediada por um profissional, com a finalidade de guiar a diversão das pessoas, de forma que possam recriar a si mesmas”, (Pimentel; Awad, 2019). E acrescenta que as atividades que tem como essência o jogo, a brincadeira e o lúdico podem ser consideradas recreativas.
O profissional lembra que a recreação tem importância crucial na saúde humana, contribuindo tanto para a saúde física quanto mental. Para ele, a atividade recreativa é capaz de promover o equilíbrio saudável entre corpo e mente, por meio de jogos e brincadeiras, ao proporcionar uma sensação geral de bem-estar. “A recreação não apenas fortalece o corpo, mas também proporciona alívio do estresse, promove o bem-estar emocional, estimula a socialização e desafia a mente. Essa interação entre saúde física e mental faz da recreação uma ferramenta poderosa para manter um equilíbrio saudável entre corpo e mente, resultando em vida mais saudável e feliz”, ensina.
Uma situação muito comum na contemporaneidade é os pais proporcionarem à criança uma série de atividades esportivas, como forma de promover a saúde física e a socialização. A intenção, certamente, é das melhores, mas quando essas atividades visam substituir as horas de lazer, o resultado pode não ser o pretendido pelos pais.
Cleber Júnior orienta que o lazer é uma atividade que se caracteriza pela liberdade de escolha e pela realização durante o tempo disponível, afastada de quaisquer obrigações. E que essa característica o diferencia, claramente, do esporte, especialmente quando este é considerado como uma atividade institucionalizada. Ele reforça que no lazer as pessoas têm a liberdade de escolher como desejam gastar seu tempo de maneira prazerosa e recreativa. Pode envolver desde ler um livro, assistir a filmes, até mesmo simplesmente relaxar e desfrutar do tempo livre.
O aspecto fundamental do lazer, afirma Cleber Junior, é que ele é uma escolha pessoal e voluntária, não vinculada a obrigações ou regras rígidas. O importante é reconhecer a importância de dedicar tempo ao lazer, independentemente de se tratar de uma atividade esportiva ou de qualquer outra forma de recreação, para garantir um equilíbrio saudável entre obrigações e momentos de relaxamento e diversão.
E os eletrônicos?
Em uma época em que os smartphones parecem ter tirado toda a graça de tudo mais que nos rodeia, como fazer para desviar a atenção das telas “mágicas” e atrair crianças e dos adultos para atividades recreativas?
Para o acadêmico, é fato que a influência das tecnologias é irreversível. Ele acredita que o que é necessário é desenvolver estratégias para chamar a atenção das pessoas para a recreação, considerando a intensa concorrência por atenção na atualidade. Para isso, o pesquisador criou uma técnica que ele denomina 3Cs (contextualizar, correlacionar e comunicar).
Cleber Junior explica, em detalhes: “Contextualizar: começamos atraindo a atenção das pessoas ao contextualizar as atividades recreativas de forma a torná-las compreensíveis e relevantes para o público. Correlacionar: em seguida, é importante entender quem é o indivíduo e relacionar as atividades recreativas com seus interesses e experiências, tornando-as mais atrativas. Comunicar: por fim, comunicamos de maneira clara como as atividades recreativas serão realizadas na prática, tornando a proposta tangível. Essa abordagem tem se mostrado eficaz na competição por atenção na sociedade atual, pois os indivíduos passam a dar atenção, resultando em uma participação das atividades”.
Para a mamãe Ligia, nem precisa teoria para conseguir que as suas pequenas prefiram as brincadeiras em família ao telefone celular. Segundo ela, a primeira regra é retardar ao máximo, o uso de telas pelas crianças.
Depois que elas têm acesso, controlar o tempo permitido para a utilização e, por último, e mais importante: dar o exemplo e criar situações em que as crianças se sintam interessadas em deixar os dispositivos eletrônicos para estar com os pais. “Quando a gente dá atenção às crianças, participa das brincadeiras, entra no universo delas, o interesse é natural. Aqui em casa, as meninas largam qualquer eletrônico, quando chamamos para brincar”, conta
O presidente da Abre lembra que a recreação também tem um caráter pedagógico e, dependendo do local que essa recreação é explorada, como a natureza, praia, clubes, acampamento, as experiências culturais, sociais, e ambientais também se tornam partes fundamentais da vivência.
Para ele, nessas situações, os participantes têm a oportunidade de aprender sobre diferentes culturas, interagir com pessoas de origens diversas, criar conexões significativas com o ambiente natural e, ao mesmo tempo, desfrutar das atividades recreativas. “Essa abordagem ampla e multifacetada da recreação enriquece a vida das pessoas de maneira holística, proporcionando uma gama diversificada de experiências enriquecedoras”, acredita Cleber.
Para finalizar, ele fala em nome da Abre, uma associação sem fins lucrativos fundada para buscar a construção de uma entidade engajada nos desafios contemporâneos da recreação, sobre a importância do 12 de setembro. “Para a Abre, a data tem como objetivo, ser um momento para refletir sobre a recreação, bem como, incentivar os recreadores e futuros recreadores a disseminar as boas práticas da recreação, com excelência e sabedoria em todas as ações.”