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Mentiras ou estratégias?

08 de Julho de 2025 às 10:40
Mentiras ou estratégias?

Está certo o Judiciário brasileiro em regular as redes sociais sob o argumento de defesa da democracia? Na sequência dessa pergunta, surge outra dúvida: o que é notícia falsa e o que é opinião? Deputados goianos se posicionam.

A pergunta que vale 1 milhão de dólares: o que é fake news? Há quem diga para conceituar o termo de forma simples e atual, que poderia ser a palavra “mentira” no meio virtual; ou, em tradução literal do inglês, notícias falsas. Fosse simples assim, seria muito fácil, porque bastaria aplicar as leis do mundo real para as litigâncias oriundas da internet. 

Ledo engano. A falta de um conceito preciso sobre o termo fake news é global, mas a única certeza, de acordo com o entendimento doutrinário das cortes constitucionais pelo mundo, cuja função é declarar inconstitucionalidade de leis e atos normativos que sejam contrários às constituições, é que se trata de uma prática lesiva à sociedade, um desserviço da informação, um ato antidemocrático que precisa ser controlado.

O que parece ser comum às opiniões é o fato de serem histórias falsas com aparência de notícias jornalísticas verdadeiras, capazes de influenciar posições políticas, levar as pessoas ao erro ou oportunizar algum tipo de vantagem. No entanto, o primeiro passo em busca de uma conclusão sobre a etimologia das fake news é saber separar o joio do trigo, o que significa definir o que é “notícia” e o que é “opinião”.

Neste contexto, a disseminação da informação tornou-se uma poderosa ferramenta de manipulação política, motivo pelo qual o Poder Judiciário brasileiro viu-se no dever de regular principalmente as redes sociais, algo possivelmente temerário em uma democracia. Afinal de contas, quem sabe o que é verdade ou mentira? Ainda assim, algo precisa ser feito.

Polarização 

O século 21 tem revelado uma sociedade polarizada, heterogênea e individualista. Para um, o que pode ter um entendimento absolutamente consensual, para outro pode ser totalmente antagônico. Nunca as opiniões foram tão controversas, exceto nos países ditatoriais, onde vale a decisão de quem está no poder. Há quem diga que a democracia custa muito caro, mas trata-se do regime mais próximo à justiça social. 

A frase do dramaturgo, jornalista e crítico de arte inglês G.K. Chesterton (1874-1936) já demonstrava em seu tempo que algo estava saindo dos trilhos: “Chegará o dia em que teremos que provar ao mundo que a grama é verde”. Nunca houve um tempo onde a realidade ficasse tão distante do real.

Sabe-se que o termo fake news tomou musculatura como discurso de poder durante as eleições americanas entre Donald Trump e Hillary Clinton, que transcorreram em 2016 e culminaram na vitória do bilionário. Foi nessa época que a expressão passou a ser repetida como um perigo à democracia e amplamente ligada à política. 

O conflito naquele país foi maior em razão da Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América (EUA) que garante a liberdade de expressão, religião, imprensa, reunião e petição, adotada na Declaração de Direitos de 1791, para proteger os direitos fundamentais e individuais contra ações do governo. O povo americano tem orgulho da premissa de ser livre para falar, se expressar e se proteger, sem restrições, mas dentro da lei. 

No Parlamento goiano

Fake news é um tema abordado por três políticos da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego): os deputados Mauro Rubem (PT), Bruno Peixoto (UB) e Talles Barreto (UB).  

Rubem apresentou o projeto de lei nº 11451/24, para instituir a política de combate à transmissão de notícia falsa (fake news), ou dissimulação de informação, no estado. A matéria está na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ), desde abril de 2025.

Em justificativa, o petista alega que se trata de uma legislação complementar que visa à proteção dos cidadãos contra os efeitos negativos das fake news, desde que não conflite com as normas gerais federais e respeite os princípios constitucionais, incluindo a liberdade de expressão.

Já Peixoto, presidente da Casa de Leis, propôs o projeto de lei nº 3584/21, para estabelecer penalidades administrativas a quem divulgar informação falsa. O projeto se encontra na Seção de Procedimentos Legislativos Finais desde outubro de 2023. Para o parlamentar, “a proposta faz forte frente para combater esse mal virtual, as fake news, cujo maior objetivo é o seu controle”, destacou. 

Em 2018, Talles Barreto apresentou o projeto de lei nº 2038/18, para responsabilizar os sites e aplicativos que divulgassem notícias falsas. A propositura encontra-se na Diretoria Parlamentar desde maio de 2019. 

“O objetivo da matéria é combater as pessoas de má fé que se utilizam dos meios de comunicação e aplicativos para propagar informações distorcidas, alterar ou corromper a verdade dos fatos, buscando vantagens”, afirma Barreto. 

Em comum nos projetos apresentados há um consenso de que é necessário combater as notícias falsas, especialmente aquelas que envolvam unanimidade de opinião, que não geram o menor dissenso, como terrorismo, apologia ao nazismo, pedofilia, pornografia infantil, discriminação religiosa, racial, sexual e outras.

No entanto, o tema das fake news foi examinado no Supremo Tribunal Federal (STF), especificamente no art. 19, da Lei 12965/14, batizada de “Marco Civil”, o qual determina que “um provedor de aplicações de internet só poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, dentro dos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo estabelecido”.

O resultado do julgamento pelos ministros tramitado no dia 26 de junho foi a alteração parcial do dispositivo numa votação de 8 a 3 para a ampliação da responsabilização civil das plataformas digitais, que passarão a responder por conteúdos ilegais publicados por usuários, mesmo sem uma decisão judicial prévia para a remoção desse conteúdo. 

Já no âmbito estadual, o entendimento do deputado Mauro Rubem vem ao encontro da decisão proferida pela Suprema Corte, na qual as fake news devem ser combatidas e reguladas no meio digital pelo Poder Judiciário. “É pertinente que as plataformas sejam acusadas pelos conteúdos criminosos tipificados no ordenamento jurídico brasileiro. O que vale na vida real tem que valer na vida virtual. Se uma rede social distribui uma notícia mentirosa, ela deve ser responsabilizada”, afirma o parlamentar.

Líder do Governo no Parlamento goiano, o deputado Talles Barreto vê com bons olhos a intervenção do Judiciário nas matérias de senso coletivo, como o combate à pornografia infantil, ao terrorismo e outros, mas é manifestamente contrário nos casos de postagens opinativas, na possibilidade de afetar a liberdade de expressão do cidadão comum. “A opinião não pode ser censurada. Seja correta, seja errada, se você concorda ou discorda, cada um tem sua opinião”, enfatiza. 

Fact-checking

O que existe de mais concreto para combater as fake news na internet, até o momento, são as empresas de fact-checking (checagem de fatos). Como o próprio nome já diz, o objetivo é verificar a veracidade da informação. 

A primeira ação de fact-checking, de forma organizada, foi em 1991, quando uma jornalista da CNN de Washington (EUA) investigou a veracidade da propaganda eleitoral na disputa à presidência entre Bill Clinton e George Bush. A novidade deu tão certo que surgiu a primeira agência de checagem de propaganda eleitoral no mundo, a “Ad Police”, naquela época. 

No Brasil, a prática passou a ser comum nas eleições presidenciais de 2014, realizadas por diversos órgãos públicos como a Câmara dos Deputados, o Ministério da Saúde e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Hoje, praticamente todos os grandes portais de informações brasileiros possuem suas próprias ferramentas de verificação. 

Atualmente, com a checagem da informação, o que deveria causar um sentimento de segurança e alívio em razão da certeza na veracidade da informação, tem atenuado a dúvida, mas mantido uma sensação de incerteza, daí vem a pergunta: “Será que essa notícia é verdade, mesmo?!”.

Um problema adicional nessa questão é que a imprensa regular, tradicional, nem sempre tem se mostrado confiável, reflexo de atrelamentos econômico e/ou partidário-ideológico, o que para certos analistas soa como militância, criando hesitação do indivíduo em acreditar que a informação é crível, o que pode contribuir para o aumento de dúvida na informação propagada. O que poderia trazer indubitabilidade mantém uma margem de insegurança, ainda que apresente uma retificação dos fatos.

Todavia, em meio à guerra das narrativas, é essencial o papel do chamado jornalismo profissional na busca de impedir a propagação dos conteúdos mentirosos e nocivos espalhados a cada minuto, principalmente nos períodos eleitorais. 

Aliás, certamente que fazer jornalismo sério, sem viés — sem intuito de apenas confirmar teses previamente estabelecidas "contra" ou "a favor" —, seria a ferramenta para os veículos de imprensa tradicionais recuperarem a relevância, a confiabilidade e a credibilidade. Esses atributos, há tempos, foram abalados após o surgimento das redes sociais, que apesar de serem um terreno fértil das fake news, são consideradas, por boa parte da população, uma forma que possibilita fiscalizar a classe política brasileira.

Agência Assembleia de Notícias - Reportagem: Rogério Rezende
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