Congresso discute ampliação do número de deputados e STF estabelece prazo para redistribuição entre os entes federados

Recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 177/23, que propõe o aumento do número de deputados federais de 513 para 531 a partir da legislatura de 2027, o que reacendeu o debate. A mudança a ser implementada pelo PLP 177/23 estima um impacto orçamentário de R$ 64,8 milhões ao ano apenas para as novas 18 cadeiras federais, sem contar o efeito cascata nas emendas e nos custos das assembleias estaduais. Em um cenário de restrições fiscais e demandas sociais urgentes, o aumento de despesas com o Legislativo é frequentemente questionado quanto à sua prioridade e razoabilidade.
Este aumento, motivado principalmente pelo crescimento populacional verificado no Censo de 2022, também impacta diretamente a composição das assembleias legislativas estaduais, como no caso de Goiás, que verá sua bancada federal passar de 17 para 18 assentos e, consequentemente, a estadual de 41 para 42 cadeiras.
O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o Congresso Nacional tem até 30 de junho de 2025 para aprovar uma lei complementar que revise a distribuição das cadeiras de deputados federais, garantindo proporcionalidade entre os estados. A decisão foi tomada na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO 38), proposta pelo governo do Pará.
Houve, conforme a decisão, omissão do Congresso Nacional em editar a lei complementar prevista no artigo 45, parágrafo 1º, da Constituição Federal que estabelece: “o número total de deputados, bem como a representação por estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta deputados”.
O presidente da Associação dos Procuradores da Assembleia Legislativa de Goiás (Apalego), Edmarkson Ferreira de Araújo, considera a medida acertada. “O aumento de 41 para 42 vagas para Goiás beneficia a população goiana porque corrige grave assimetria representativa. O texto constitucional dispõe que o número de deputados será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população”, aponta Edmarkson.
Já a deputada Dra. Zeli (UB) é contra a mudança. “Nem o município está bem, os estados não estão bem, têm dívidas e essa mudança vai onerar os cofres públicos. Por que não investir na saúde, gente, que está um caos? A educação, tão necessária investir mais, valorizar os professores? Por que mais deputados? Vamos valorizar os professores, gente”, propõe a parlamentar.
Dra. Zeli considera que a quantidade atual de deputados é suficiente para representar todas as regiões nos estados. "Entendo que a população aumentou, não tenho dúvida e sei só vai entrar em vigor em 2027. Mas eu acho, particularmente, desnecessário”, pontua a deputada.
História de representatividade
A Câmara dos Deputados do Brasil, estabelecida em 25 de março de 1824 pela Constituição Imperial, iniciou sua primeira legislatura em 6 de maio de 1826. Desde sua fundação, o número de representantes tem variado, refletindo mudanças demográficas, políticas e territoriais ao longo da história do país. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu os critérios atuais para a definição do número de deputados federais por estado e pelo Distrito Federal, fixando um mínimo de oito e um máximo de setenta deputados, proporcionalmente à população. Atualmente, a Câmara é composta por 513 deputados federais.
O princípio da proporcionalidade populacional visa garantir que os estados mais populosos tenham maior representação, refletindo o peso de seus eleitorados. Contudo, os limites mínimo e máximo geram distorções, conferindo um peso desproporcional aos estados menores em detrimento dos mais populosos.
Por exemplo, dados de 2022 indicavam que um deputado de São Paulo representava cerca de 650 mil habitantes, enquanto um parlamentar de Roraima representava aproximadamente 72 mil habitantes. Essa disparidade é um ponto central nos debates sobre a reforma do sistema de representação.
A Lei Complementar nº 78, de 1993, regulamentava a fixação do número de deputados de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas sua aplicação gerou controvérsias e questionamentos judiciais ao longo dos anos, culminando na recente decisão do STF que instou o Congresso Nacional a atualizar a representação com base no Censo de 2022.
O número de deputados estaduais, por sua vez, é definido pela Constituição Federal como o triplo da representação do estado na Câmara dos Deputados, até o limite de 36 deputados. Acima de 12 deputados federais, a regra é de 36 deputados estaduais mais o número de deputados federais que exceder os 12. Essa vinculação direta faz com que qualquer alteração no número de deputados federais impacte automaticamente as assembleias legislativas.
A aprovação do PLP 177/23 pela Câmara dos Deputados, em 6 de maio de 2025, representa uma tentativa de ajustar a representação federal ao crescimento populacional e, ao mesmo tempo, mitigar perdas de representatividade para alguns estados que seriam afetados por uma redistribuição pura e simples baseada nos 513 assentos atuais. O projeto eleva o número total de deputados federais para 531, com a nova configuração valendo a partir de 2027.
O principal argumento para o aumento é a necessidade de atualizar a representação parlamentar de acordo com as mudanças demográficas capturadas pelo Censo de 2022. O relator do projeto, deputado Damião Feliciano (União-PB), destacou que o acréscimo de 18 cadeiras (aproximadamente 3,5%) é modesto diante de um crescimento populacional superior a 40% nas últimas quatro décadas. A lógica é que uma representação mais fiel à distribuição populacional fortalece o princípio democrático.
Um dos pontos centrais da “abordagem política” adotada pelo relator foi evitar que estados perdessem representação. A perda de deputados federais implica diretamente na redução de recursos provenientes de emendas parlamentares, que são cruciais para o financiamento de projetos e políticas públicas nos estados e municípios. Argumenta-se que a manutenção ou o aumento do número de deputados garante que os estados não percam peso político na federação e capacidade de investimento.
Ao aumentar o número total de vagas, o projeto permitiu que estados que, de fato, tiveram crescimento populacional expressivo ganhassem mais representantes (como Pará e Santa Catarina, cada um com mais 4 deputados, cada) sem que outros fossem drasticamente penalizados. Em alguns casos, como o de Mato Grosso, Rio Grande do Norte e Paraná, o relator propôs ajustes para evitar que estados com maior população ficassem com menos representantes do que outros com populações menores, buscando uma maior justiça distributiva.
Os deputados federais ainda defenderam que a decisão sobre o número de cadeiras e sua distribuição é uma prerrogativa do Congresso Nacional, e não do Poder Judiciário ou do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A decisão do STF que estabeleceu um prazo para a atualização foi vista como uma intervenção que precisava ser respondida pelo próprio Legislativo.
Embora não seja um argumento central no debate específico do PLP 177/23, teoricamente, um número maior de representantes poderia significar uma divisão mais equilibrada do trabalho legislativo, permitindo que deputados se especializem mais em determinadas áreas e tenham uma carga menor de representação populacional direta, o que poderia, em tese, melhorar a qualidade do mandato e a proximidade com os eleitores. No entanto, este ponto é bastante controverso e depende de muitos outros fatores.
Goiás
No contexto do PLP 177/23, o estado de Goiás está entre aqueles que terão sua bancada federal aumentada, passando de 17 para 18 deputados. Consequentemente, sua Assembleia Legislativa passará de 41 para 42 deputados estaduais.
Goiás tem apresentado um crescimento populacional significativo nas últimas décadas, impulsionado pelo agronegócio, pela expansão de polos industriais e pela sua posição geográfica estratégica. O aumento de uma cadeira na Câmara Federal seria um reflexo direto dessa nova realidade demográfica, buscando ajustar a representação política ao peso populacional do estado.
Com um deputado federal a mais, a bancada goiana ganha um incremento em sua capacidade de articulação política no Congresso Nacional e na defesa dos interesses do estado. Além disso, um representante a mais significa um volume maior de emendas parlamentares que podem ser direcionadas para municípios goianos, financiando obras de infraestrutura, saúde, educação e outras áreas prioritárias.
Um parlamentar adicional pode se dedicar a pautas específicas de interesse de Goiás, como o desenvolvimento do agronegócio, a logística de transportes, questões ambientais do Cerrado, ou o fomento a setores emergentes da economia goiana. Isso pode resultar em uma defesa mais robusta e especializada das necessidades do estado em âmbito federal.
O aumento de um deputado estadual na Assembleia Legislativa de Goiás, como consequência direta, também pode ser visto como um fortalecimento da representação em nível local. Pode permitir uma melhor distribuição da representação regional dentro do estado ou o reforço de comissões temáticas importantes para o desenvolvimento goiano.
O aumento do número de deputados federais e, por consequência, estaduais, como proposto pelo PLP 177/23 e exemplificado pelo caso de Goiás, é uma medida de impacto significativo no sistema político brasileiro. Os argumentos favoráveis centram-se na necessidade de adequação demográfica, na manutenção da força política dos estados e na capacidade de investimento via emendas parlamentares. Para Goiás, o aumento de um deputado federal e um estadual pode significar um reforço na representação de seus interesses e na captação de recursos.
No entanto, os contrapontos relacionados ao aumento dos custos públicos, à questionável melhoria na qualidade da representação e à percepção pública negativa não podem ser ignorados. A decisão, que ainda passará pelo crivo do Senado, exige uma ponderação cuidadosa entre os benefícios da atualização representativa e os ônus financeiros e políticos envolvidos.
Para especialistas em política, o debate transcende a mera contagem de cadeiras. Ele toca em questões fundamentais sobre a eficácia do sistema representativo, a justiça da distribuição do poder político entre os entes federativos e a responsabilidade fiscal dos poderes constituídos. A análise aprofundada dos dados, dos argumentos e das possíveis consequências é crucial para subsidiar uma discussão qualificada e para que a sociedade possa avaliar se as mudanças propostas caminham, de fato, para o fortalecimento da democracia brasileira ou se representam apenas um rearranjo com custos elevados e benefícios incertos.