Orgulho e resistência

Além das festas juninas e do dia dos namorados, junho é marcado pelo Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+, convertendo avenidas em trincheiras de visibilidade – a exemplo da Parada da Avenida Paulista.
O mês de junho está entre os mais simbólicos do calendário. Embora a maioria das pessoas o enxergue meramente como "mês dos namorados", ele, seguramente, está além disso. O mês seis carrega pautas ligadas à saúde, cultura e ao meio ambiente. Mas não só: junho também acolhe o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+, conhecido popularmente como “Orgulho LGBT+” e comemorado no dia 28.
Quem ergue essa bandeira transcende os limites da autoafirmação. O gesto revela um convite à discussão profunda sobre saúde, segurança, garantia de direitos e políticas públicas. O dia do orgulho é um marco histórico e um sinônimo de resistência.
A data é herdeira direta do Levante de Stonewall: em 28 de junho de 1969, a comunidade LGBTQIAPN+ reagiu à violência policial no bar Stonewall Inn, em Nova York. O episódio – liderado por mulheres trans, drag queens e jovens marginalizados – explodiu em dias de resistência nas ruas do Greenwich Village, acendendo a faísca de um movimento global por dignidade.
Mais de cinco décadas depois, o cenário é pautado por avanços e igualmente marcado por desafios. Os números provam isso. Dados do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil mostram que, somente no ano passado, foram registradas mais de 250 mortes por LGBTfobia, o que evidencia a urgência de respostas verdadeiramente efetivas.
Paralelamente, o Observatório do Grupo Gay da Bahia (GGB), que há 45 anos monitora esse tipo de violência, constatou um aumento superior a 13% no número de assassinatos de pessoas LGBTQIAPN+ em 2024. O GGB é a mais antiga organização não governamental dedicada à causa na América Latina. Segundo o levantamento, as regiões Norte e Sudeste oferecem o maior risco. Há, inclusive, casos de pessoas heterossexuais vitimadas simplesmente por terem sido confundidas com membros da comunidade.
Nesse contexto, Goiás não está entre os mais violentos; no entanto, está longe de figurar entre os mais seguros. O estado ocupa a 13ª posição no ranking dos que mais matam. No recorte das capitais, Salvador aparece como a mais violenta, superando, proporcionalmente, São Paulo. Goiânia ocupa a 10ª colocação, empatando em números com Campo Grande (MS), Cuiabá (MT) e Teresina (PI).
Orgulho como ato político
Não à toa, atos em defesa da comunidade ocorrem em diversos países. Em cidades como São Paulo, Berlim e Nova York, milhões de pessoas tomam as ruas para afirmar o orgulho, desafiar o preconceito e celebrar a diversidade.
A Parada de São Paulo, que é a maior do mundo, teve início no dia 22 de junho. O tema deste ano deu visibilidade a uma parcela muitas vezes esquecida da comunidade: os mais velhos. O evento celebrou quem desafiou o tempo, rompeu barreiras e pavimentou caminhos.
Ao chegar na Avenida Paulista e ver a concentração de pessoas, me emocionei profundamente", conta Raquel Rodrigues, servidora do Poder Legislativo goiano e participante da edição de 2025. Com 15 anos de ativismo pelos direitos humanos, Raquel testemunhou, na maior parada do mundo, uma "explosão de cores, corpos diversos, vozes, bandeiras e sons", experiência que definiu como "celebração da vida e resistência".
Ela, que mora em Goiânia, relatou à Agência Assembleia de Notícias que, durante a semana da parada, participou de um curso para captação de recursos, promovido pelo Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negros e Negras (Rede Fonatrans). "Essa foi apenas uma das inúmeras ações promovidas por organizações nacionais, mostrando que o evento vai muito além do domingo na Paulista. Trata-se de uma semana de formação, articulação política e fortalecimento da militância".
Para Raquel, movimentos como a Parada do Orgulho LGBT+ são fundamentais para a transformação social. “São manifestações políticas, espaços de visibilidade, denúncia e afirmação de direitos. É onde a diversidade se torna inegável e ocupa o espaço público com orgulho, amor e coragem”, diz, antes de emendar que “em tempos de ataques sistemáticos aos direitos e vidas, ocupar avenidas com milhões de pessoas é um ato profundamente político”.
De fato. A primeira edição da parada em São Paulo ocorreu em 1997, com cerca de 2 mil participantes. Ela foi realizada com festividade, mas sobretudo como um ato de resistência. O grito de urgência fez com que o evento ganhasse força ano após ano, chegando, em sua 10ª edição (2006), ao Livro dos Recordes, com 2,5 milhões de participantes. O crescimento, avaliam os organizadores, reflete não só o engajamento da comunidade, mas também o fortalecimento da luta por direitos.
Legislação em foco
No Brasil, o movimento tem reforçado pautas tão urgentes quanto importantes. Em Goiás, a Assembleia Legislativa discute iniciativas voltadas à causa. O deputado Dr. George Morais (PDT), por exemplo, propôs um projeto de lei (n° 3489/23) que estabelece diretrizes para a criação de uma política de prevenção ao suicídio e promoção do direito à saúde mental da população LGBTQIAPN+. A matéria está sob análise da Comissão de Saúde.
O artigo 1º do texto visa a enfrentar os sofrimentos psíquicos e as diferentes formas de violência autoprovocada. Caso aprovada, a medida pode ampliar a conscientização sobre o tema e capacitar instituições de acolhimento para reconhecer sintomas relacionados a transtornos psíquicos, além de garantir acesso ao acompanhamento em saúde mental.
A proposta também prevê a formação de redes intersetoriais, com equipes multidisciplinares para prestar esse suporte. Entre os instrumentos propostos estão o intercâmbio entre redes de saúde federal, estadual e municipal, além da disseminação de informações sobre o tema.
Segundo Morais, que é médico, pessoas LGBTQIAPN+ têm maior probabilidade de desenvolverem depressão, ansiedade e estresse pós-traumático, vulnerabilidades muitas vezes provocadas por estigma, discriminação, rejeição familiar, isolamento social e violência.
Graças à luta incessante da comunidade, resultados efetivos vieram nos últimos anos. A criminalização da LGBTfobia é um dos mais importantes. A Lei nº 7.716/89, que trata de crimes resultantes de preconceito racial, foi estendida para abranger a homofobia e a transfobia. Outro avanço significativo foi o reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da união estável e do casamento entre pessoas do mesmo gênero como entidades familiares, garantindo os mesmos direitos e deveres dos casais heterossexuais.
O direito ao nome social também é um marco, assegurando que pessoas trans e travestis possam usar seu nome de escolha em documentos e instituições públicas. Além disso, a aplicação da Lei Maria da Penha para mulheres lésbicas e bissexuais ampliou a proteção contra a violência doméstica.
A possibilidade de adoção, por casais homoafetivos, é outro ponto digno de evidência quando o assunto passa pelo aperfeiçoamento da legislação. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que todos os requisitos para adoção sejam aplicados igualmente entre os casais homo e heteroafetivos, assegurando, assim, a adoção como direito fundamental e necessário para promoção da igualdade.