O cuidado com a terra
A realidade atual, de crises climáticas, traz à mente das pessoas os biomas em risco, as mudanças bruscas no clima e catástrofes. Poucos se atentam, porém, aos riscos da desertificação de nossas terras, tema em debate mundial neste 17 de junho. A data é um apelo à conscientização ambiental, formalizado na Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (em inglês, UNCCD), que firmou o compromisso internacional entre seus signatários, incluído o Brasil, para a conservação dos recursos naturais das terras áridas e semiáridas em todo o mundo.
Atualmente, são 197 Estados que trabalham em conjunto para aprimorar as condições de vida dos que vivem em regiões com esse risco. Para além do cuidado com a humanidade, a UNCCD busca a manutenção e restauração de terras com vistas à produtividade do solo e à mitigação dos efeitos da seca. Entretanto, vale a ressalva: a Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que tal posicionamento de resiliência perante a desertificação não se trata de uma escolha, mas de necessidade.
Por desertificação define-se o processo de esgotamento, de degradação última da terra. De acordo com a ONU, o fenômeno é exclusivo de espaços áridos, semiáridos e subúmidos secos, ecossistemas mais frágeis por suas terras secas. No Brasil, embora já se fale em processos como “savanização da Amazônia”, e “desertificação do Cerrado”, a desertificação, tecnicamente, se restringe ao semiárido brasileiro, de acordo com o Atlas publicado pelo Ministério do Meio Ambiente em 2007.
No Brasil
Mais de 30 milhões de pessoas, aproximadamente 17% da população brasileira, são atingidas pela desertificação, sendo a população dos estados do Ceará e Pernambuco as mais afetadas. São 1.480 municípios em nove estados do Nordeste e em alguns trechos de Minas Gerais e Espírito Santo com possibilidade de se tornarem, futuramente, regiões consideradas desérticas. O montante representa cerca de 16% do território brasileiro. A união dos componentes ambiental, social e produtivo deve ser levada em consideração na discussão da exaustão dos solos.
Além dos próprios ciclos climáticos da natureza e de fenômenos bruscos frequentes, como o El Niño e La Niña, ações humanas colaboram para agravar o processo de desertificação. A exploração descontrolada de ecossistemas frágeis, práticas agropecuárias impróprias, mineração, queimadas e poluição são itens de uma vasta lista de potencializadores desse cenário extremo.
Acrescente-se aos impactos ambientais os impactos de ordem social e econômica para um melhor dimensionamento do problema. Pesquisadores do Instituto Nacional do Semiárido (Insa), unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e referência em trabalhos sobre o tema, advertem: “Enquanto a sociedade não se convencer da gravidade da degradação do solo, as ações dirigidas à sua prevenção e reversão não serão suficientes, e [a degradação] prosseguirá até que a sua irreversibilidade torne improdutivas extensas áreas do semiárido brasileiro”.
De acordo com a UNCCD, como resultado desse processo, perde-se a cada ano, somente nos 11 países da América Latina, 2,7 bilhões de toneladas da camada arável do solo, o que equivale a um prejuízo de US$ 27 bilhões por ano. A desertificação, aponta o colegiado, representa, entre outros riscos, uma ameaça à segurança alimentar, gerando fome e êxodo entre as comunidades mais afetadas, a exemplo dos sertões brasileiros reduzindo as terras produtivas do mundo.
Apesar do cenário pessimista, processos de desertificação podem ser controlados, evitados e até mesmo revertidos, defendem os pesquisadores. Nesse sentido, na busca de reversão da degradação dos ecossistemas em todos os continentes e oceanos, as Nações Unidas lançaram a Década da Restauração de Ecossistemas (2021-2030). A meta é restaurar 40% de todas as terras do planeta até 2030 – prazo para que os países implementem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A ONU ressalta a importância do envolvimento dos setores público, privado e sociedade civil na elaboração de políticas de prevenção e de adaptação às mudanças climáticas nas áreas consideradas de risco.
O envolvimento dos governos deve ir além de incentivos à preservação ambiental. Com fiscalização rígida e soluções técnicas para o manejo sustentável dessas áreas, a atuação política é peça fundamental para que não ocorra uma sobrecarga nas áreas de risco. O monitoramento dessas localidades e uma maior clareza quanto aos indicadores em ações e trabalhos sobre o tema, afirmam os pesquisadores da área, também devem ter atenção especial por parte dos órgãos de governo especializados. Ações que se comprometam a resultados concretos dessa intervenção, tendo em vista que a questão diz respeito, em última instância, à perda de território nacional produtivo para as presentes e futuras gerações de brasileiros.
O combate à desertificação, assim como outros grandes desafios ambientais que enfrentamos, implica aprimorar, portanto, não só as ações e cuidados concretos, mas o comportamento cultural, econômico e político de nossa sociedade. É com ação coletiva que podemos, efetivamente, mitigar os impactos negativos da degradação dos solos e assegurar um meio ambiente melhor às gerações por vir.
Datas da ONU
A Organização das Nações Unidas estabelece dias e semanas internacionais como oportunidades para educar o público sobre questões preocupantes. Os marcos são posicionamentos para mobilizar forças políticas e recursos tanto na resolução de problemas globais quanto para celebrar e reforçar as conquistas da humanidade. A existência de dias internacionais é anterior à criação das Nações Unidas, mas o organismo internacional adotou a prática como uma ferramenta em prol de assuntos essenciais à humanidade.