Reflexões da luta por direitos

No feriado que lembra as lutas históricas por melhores condições de trabalho, deputados refletem sobre avanços e desafios contemporâneos relacionados à informalidade, inovações tecnológicas e empreendedorismo.
O Primeiro de Maio, Dia Internacional do Trabalhador, é uma data que transcende a simples celebração, carregando em si a memória de lutas históricas por direitos e condições dignas de trabalho.
No Brasil, essa data ressoa de maneira particular, refletindo as complexidades de um mercado de trabalho marcado por profundas transformações, pela persistência da informalidade, pelo sonho do empreendedorismo e pelos desafios constantes enfrentados por milhões de brasileiros.
Em 1º de maio de 1886, milhares de trabalhadores saíram às ruas de Chicago, nos Estados Unidos, para reivindicar melhores condições de trabalho, especialmente a redução da jornada para oito horas diárias. Naquela época, era comum trabalhar de 12 a 16 horas por dia, em condições extremamente precárias e insalubres.
O que começou como uma manifestação pacífica acabou em tragédia quando, no dia 4 de maio, durante um protesto na Praça Haymarket, uma bomba foi lançada contra policiais, resultando em mortes e feridos. O episódio, conhecido como "Revolta de Haymarket", levou à prisão e condenação à morte de oito líderes anarquistas, mesmo sem provas concretas de seu envolvimento no atentado. A execução desses trabalhadores, que ficaram conhecidos como "Mártires de Chicago", transformou-se em símbolo da luta operária mundial.
Em 1889, durante o Congresso da Segunda Internacional em Paris, foi aprovada uma resolução que estabelecia o 1º de maio como o Dia Internacional dos Trabalhadores, em memória dos mártires de Chicago e como data de mobilização global pela jornada de oito horas. A data rapidamente se espalhou pelo mundo, chegando ao Brasil ainda no final do século XIX, trazida por imigrantes europeus que já participavam de movimentos operários em seus países de origem.
No Brasil, o Dia do Trabalhador ganhou reconhecimento oficial em 1924, durante o governo de Artur Bernardes, mas foi durante a Era Vargas que a data adquiriu maior importância no calendário nacional. Getúlio Vargas, com sua política trabalhista, transformou o 1º de maio em uma data de grandes comemorações e anúncios de benefícios aos trabalhadores, estratégia que contribuiu para a construção de sua imagem como "pai dos pobres".
“Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu/ A gente estancou de repente, ou foi o mundo então que cresceu”, cantava Gonzaguinha em “Um Homem Também Chora (Guerreiro Menino)”, capturando a essência da luta diária do trabalhador brasileiro. A música popular brasileira, em sua rica tradição, sempre foi um espelho das condições de trabalho e das aspirações da classe trabalhadora no país.
Adoniran Barbosa, com seu olhar sensível para o cotidiano do operário paulistano, retratou em "Saudosa Maloca" e "Abrigo de Vagabundos" as dificuldades de moradia e trabalho dos migrantes que construíram a metrópole. "Saudosa maloca, maloca querida / Onde nós passemos dias feliz de nossa vida", cantava ele, dando voz aos desalojados pelo progresso urbano.
Chico Buarque, um dos mais importantes nomes da MPB, dedicou várias de suas obras à temática do trabalho. Em "Construção", talvez sua obra mais emblemática sobre o tema, ele narra a rotina e a morte de um operário da construção civil: "Amou daquela vez como se fosse a última / Beijou sua mulher como se fosse a última / E cada filho seu como se fosse o único / E atravessou a rua com seu passo tímido / Subiu na construção como se fosse máquina". A repetição e a alteração das palavras proparoxítonas no final dos versos reforçam a mecanização e a despersonalização do trabalho.
Em "Pedro Pedreiro", o mesmo Chico Buarque retrata a espera interminável de um trabalhador pelo trem, pelo aumento, pelo filho e por um futuro melhor que nunca chega: "Pedro pedreiro penseiro esperando o trem / Manhã, parece, carece de esperar também / Para o bem de quem tem bem / De quem não tem vintém".
Wilson Batista e Ataulfo Alves, em "O Bonde de São Januário", celebravam o trabalhador em contraposição à malandragem: "Quem trabalha não tem razão / Eu digo e não tenho medo de errar / O bonde de São Januário / Leva mais um operário / Sou eu que vou trabalhar". A canção, que originalmente criticava o trabalho e exaltava a malandragem, foi modificada durante o Estado Novo para promover valores trabalhistas, tornando-se um interessante exemplo da relação entre música, trabalho e política no Brasil.
A escala 6 por 1 tem que acabar?
A escala 6x1, caracterizada por seis dias consecutivos de trabalho seguidos por um dia de folga, historicamente comum em diversos setores, agora enfrenta questionamentos quanto à sua constitucionalidade, com implicações significativas para empregadores e empregados.
O sociólogo Ricardo Antunes argumenta que a escala 6x1, em muitos casos, intensifica o ritmo laboral, comprometendo a saúde física e mental dos trabalhadores e dificultando a conciliação entre vida pessoal e profissional. Segundo ele, “a lógica da acumulação flexível muitas vezes se sobrepõe às necessidades humanas básicas de descanso e lazer, e a escala 6x1 é um exemplo emblemático dessa lógica”.
Juristas como Mauricio Godinho Delgado, em seus estudos sobre direito do trabalho, ressaltam que a interpretação restritiva da legislação que permitia a adoção da escala 6x1 em certos contextos pode ter negligenciado o espírito protetivo da norma constitucional. Empresários e alguns economistas argumentam que o fim da 6x1 pode aumentar os custos operacionais das empresas, especialmente em setores que funcionam ininterruptamente, como comércio e serviços.
Segundo um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) de 2024, a necessidade de contratar mais funcionários para cobrir as folgas adicionais poderia gerar um aumento significativo na folha de pagamento, com possíveis reflexos nos preços dos produtos e serviços.
Na Europa e nos EUA, a escala 6x1 não existe mais, pelo menos para trabalhadores legalizados (é ainda comum a exploração de imigrantes ilegais). Países europeus possuem legislações trabalhistas robustas que limitam a jornada semanal de trabalho a 40 horas ou menos, com um forte enfoque no descanso semanal de pelo menos dois dias consecutivos. A escala 5x2 (cinco dias de trabalho e dois de folga) é predominante também nos EUA, especialmente em trabalhos de escritório e na indústria. A cultura de valorização do "fim de semana" como período de descanso é forte, e empresas que adotam escalas mais exaustivas podem enfrentar dificuldades na atração e retenção de talentos.
Estudos da Organização Internacional do Trabalho indicam que países com jornadas de trabalho mais curtas e maior tempo de descanso tendem a apresentar maior produtividade e menor incidência de problemas de saúde relacionados ao trabalho. Até Japão e Coreia do Sul, historicamente conhecidos por longas jornadas de trabalho, têm implementado reformas para reduzir a carga horária e promover o descanso. Campanhas governamentais e mudanças na legislação buscam incentivar a adoção de escalas de trabalho mais equilibradas, reconhecendo os impactos negativos do excesso de trabalho na saúde e na natalidade.
Informalidade: problema ou solução?
“E aprendi que se depende sempre / De tanta, muita, diferente gente / Toda pessoa sempre é as marcas / Das lições diárias de outras tantas pessoas”, cantava Gonzaguinha em "Caminhos do Coração", lembrando-nos da interdependência que caracteriza o mundo do trabalho. E é nessa teia de relações que se desenha o complexo panorama do mercado de trabalho brasileiro atual.
De acordo com os dados mais recentes do IBGE, divulgados em fevereiro de 2025, a taxa de informalidade no mercado de trabalho brasileiro está em 38,3% no trimestre encerrado em janeiro deste ano. Isso significa que 39,5 milhões de trabalhadores, de um total de 103 milhões, estão em situação informal, ou seja, trabalham sem carteira assinada ou sem CNPJ.
Antigamente, havia um certo consenso de que a informalidade era um traço a ser combatido, mas hoje novos estudos mostram que muitos brasileiros preferem exatamente a informalidade, com todos os prós e contras. Não dá para esconder, entretanto, que ela seja caracterizada por ausência de proteção social, instabilidade de renda, distribuição desigual entre grupos sociais e regiões, e concentração em setores onde reina precarização.
Mas há quem defenda que o setor informal atua como um importante amortecedor do desemprego. Ele oferece oportunidades de trabalho para indivíduos que não conseguem ingressar no mercado formal, seja por falta de qualificação, barreiras de entrada, flexibilidade de horário ou insuficiência de vagas.
Economistas como William Arthur Lewis, com seu modelo de “duplo setor” (formal e informal) em economias em desenvolvimento, dizem que a informalidade representa uma forma de organização econômica popular e uma resposta à falta de oportunidades formais. No contexto brasileiro, autores como Carlos Filgueira e Guilherme Cacciamali também abordaram a capacidade do setor informal de absorver trabalhadores em momentos de crise ou de crescimento lento do setor formal.
O mercado informal demonstra grande capacidade de adaptação a mudanças econômicas e regionais. Ele pode se expandir rapidamente em períodos de recessão, oferecendo alternativas de renda, e se contrair com a recuperação do setor formal. Essa flexibilidade é crucial para a resiliência da economia como um todo.
Para muitas famílias de baixa renda, o trabalho informal é a principal ou única fonte de sustento. Atividades como o comércio ambulante, pequenos reparos, serviços domésticos e outras formas de trabalho autônomo geram renda que, mesmo instável e sem proteção, contribui para a redução da pobreza e da desigualdade, ainda que de forma limitada.
Para a deputada Rosângela Rezende (Agir), “em muitas cidades do interior, como a minha cidade, Mineiros, o trabalhador informal é aquele que acorda cedo para cuidar da lavoura, da feira, do pequeno comércio ou da produção artesanal. A informalidade está muito ligada à falta de acesso a políticas públicas. Para mudar isso, precisamos facilitar o acesso ao crédito, capacitar os trabalhadores e fortalecer o cooperativismo. Apoiar as cooperativas é garantir emprego com dignidade e segurança. Tenho defendido essa bandeira no meu mandato, porque o desenvolvimento regional começa com o fortalecimento das economias locais”.
O deputado Virmondes Cruvinel (UB) diz que “combater a informalidade passa por simplificar processos e reduzir a burocracia, especialmente para pequenos negócios. Como presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Empreendedorismo e um dos fundadores do Fórum Goiano de Desburocratização, temos trabalhado, junto com governo e sociedade, para aprimorar o ambiente de negócios. No fórum, promovemos o diálogo constante entre o setor público e o privado, identificando soluções práticas para facilitar a formalização e fortalecer o empreendedorismo local”. Segundo ele, capacitação e incentivos fiscais também são essenciais para que o trabalhador veja vantagens reais na formalização.
Líder do governo na Assembleia Legislativo do Estado de Goiás (Alego), o deputado Talles Barreto (UB) avalia que combater a informalidade exige um conjunto de ações coordenadas entre governo, setor privado e sociedade civil. “Ainda que Goiás apresente bons números na geração de empregos formais, a informalidade ainda é uma realidade em setores como comércio ambulante, serviços pessoais e entre outros. Infelizmente, esse cenário representa vulnerabilidade para o trabalhador e perda de arrecadação para o estado. Contudo, existem estratégias e políticas públicas que podem ser adotadas a exemplo do acesso ao MEI, que é uma forma eficaz de trazer trabalhadores informais para a formalidade, a qualificação profissional, parcerias e linhas de crédito. Goiás tem mostrado avanços na geração de empregos, o que cria um terreno fértil para intensificar essas ações e tornar o mercado de trabalho mais justo e seguro para todos”, analisa.
Reforma trabalhista
Os deputados petistas Mauro Rubem e Bia de Lima criticam bastante a reforma trabalhista feita na gestão de Michel Temer. “É um desastre o que o Temer fez, basicamente acabou com a CLT, reduziu direitos trabalhistas que há 100 anos a classe trabalhadora tinha conquistado, jogou a classe trabalhadora brasileira dos trabalhadores da informalidade, criando um ambiente altamente corrosivo para a situação do trabalho no Brasil, ao ponto que hoje o salário médio brasileiro está menor do que o salário médio da China”, critica Mauro.
Segundo Bia, há, desde Temer, “uma crescente retirada contínua de direitos. Isso começou na reforma trabalhista do Temer e vem se estendendo de lá para cá, no governo Caiado, no serviço público, no setor privado. Infelizmente, as vagas de trabalho hoje existem, mas não existem as garantias trabalhistas de antes”.
Para Rosângela Rezende, “a reforma trabalhista trouxe promessas de geração de empregos, mas o que vimos, especialmente no interior, foi um aumento da precarização. Muitos trabalhadores do campo e de pequenas cidades passaram a viver com menos garantias. O diálogo com os sindicatos e a proteção ao trabalhador rural não foram respeitados como deveriam. Eu defendo que a legislação trabalhista pode ser modernizada, sim, mas com responsabilidade social e respeito às realidades regionais. O trabalhador não pode ser tratado como custo — ele é a base da nossa economia. A geração de emprego ocorre com necessidade do aumento da produção e do crescimento da economia. O que a lei diversificou foi o modo de contratação, a exemplo de atividades exercidas por pessoas jurídicas. A pejotização do trabalho está em discussão no STJ, justamente por conflitos nessa forma de contratação. Além de impactar na previdência no futuro, que pode sofrer pressão social para garantir benefícios”.
Ricardo Quirino (Republicanos) aponta que a reforma trabalhista da era Temer foi divulgada como solução para a modernização do mercado, mas, “na prática, muitos trabalhadores sentiram foi a perda de direitos e a precarização das relações de trabalho. Claro que o mercado muda e é preciso acompanhar essas transformações, mas não à custa do bem-estar do trabalhador. Precisamos de uma legislação que proteja e incentive, não que fragilize quem mais precisa”.
Para Virmondes, a reforma feita no governo Temer “é uma bola dividida” e explica: “Por entender o empreendedorismo como forma mais eficaz para o desenvolvimento econômico e social, sou muito próximo das entidades que representam os empreendedores. Para eles, a reforma trabalhista trouxe avanços ao flexibilizar relações de trabalho e incentivar acordos diretos entre empregadores e empregados. Mas como jurista, entendo a crítica da OAB à reforma, especialmente no que concerne à restrição de direitos do trabalhador, dificultando o acesso à Justiça. Ou seja, eu defendo que haja equilíbrio entre a modernização necessária da legislação e a proteção racional de quem é mais frágil nas relações de trabalho”.
Trabalhadores de aplicativo: solução ou precarização?
O mercado de trabalhadores de aplicativos no Brasil (Uber, Rappi, 99, iFood etc), também conhecido como gig economy ou economia de plataforma, apresenta alguns benefícios importantes, tanto para os trabalhadores quanto para a economia em geral, embora também envolva desafios significativos.
Um dos principais atrativos para os trabalhadores é a flexibilidade de horários e a autonomia na gestão do próprio tempo. Eles podem escolher quando e por quanto tempo trabalhar, conciliando a atividade com outras responsabilidades (estudos, outros trabalhos, cuidados familiares, etc.).
Na filosofia e na sociologia há discussões sobre a desmaterialização do trabalho e as novas formas de organização produtiva na era digital, como apontam Manuel Castells em "A Sociedade em Rede" e Zygmunt Bauman em suas análises sobre a fluidez e a individualização nas sociedades contemporâneas.
O trabalho por aplicativos oferece uma porta de entrada para a geração de renda, especialmente para indivíduos que enfrentam dificuldades de inserção no mercado de trabalho formal, como jovens, pessoas com baixa escolaridade, minorias e desempregados de longa duração.
As plataformas digitais reduzem os custos de busca e correspondência entre oferta e demanda por serviços de transporte, entrega, etc. Isso aumenta a eficiência do mercado, permitindo que os consumidores acessem serviços de forma mais rápida e conveniente, e que os trabalhadores encontrem clientes com maior facilidade. Mas não há como negar a precarização destes trabalhadores e, muitas vezes, falta de direitos básicos.
Embora muitas vezes operem na informalidade, os trabalhadores de aplicativos atuam como microempreendedores individuais, gerenciando seus próprios horários, custos e, em certa medida, a forma como prestam seus serviços. Isso pode desenvolver habilidades empreendedoras e, em alguns casos, servir como trampolim para a formalização futura de negócios. Mas não é o que mais acontece. É crucial ressaltar que esses benefícios não escondem os problemas inerentes à informalidade, como a falta de direitos trabalhistas, a instabilidade da renda, a ausência de proteção social (como seguro-desemprego e aposentadoria) e a menor produtividade em comparação com o setor formal.
Autores como a socióloga Ludmila Costhek Abílio têm se dedicado a analisar criticamente a "uberização" do trabalho, destacando as novas formas de controle e subordinação presentes nesse modelo. O setor informal pode ser um campo fértil para o desenvolvimento de pequenos negócios e iniciativas empreendedoras, mesmo que operem à margem da regulamentação.
Muitos empreendedores iniciam suas atividades informalmente, testando o mercado e acumulando capital e experiência para, eventualmente, formalizarem seus negócios. Autores como Muhammad Yunus, com sua experiência no Grameen Bank e microcrédito, ilustram como iniciativas econômicas em pequena escala, muitas vezes informais em seus estágios iniciais, podem ter um impacto significativo nas comunidades.
O mercado informal muitas vezes supre demandas por bens e serviços que não são adequadamente atendidas pelo setor formal, especialmente em áreas periféricas ou para populações de baixa renda. Ele oferece uma variedade de produtos e serviços a preços mais acessíveis e com maior flexibilidade de horários e locais.
O sonho de não ter chefe só cresce
Paralelamente, o empreendedorismo tem se destacado como uma característica marcante da economia brasileira nos últimos anos. Segundo a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) 2024-2025, a taxa de empreendedorismo no Brasil atingiu 33,4% da população adulta, o maior patamar dos últimos quatro anos, representando um aumento em relação à taxa de 31,6% registrada anteriormente.
De acordo com o Mapa de Empresas do segundo quadrimestre de 2024, o Brasil conta com um total de 21,095 milhões de empresas ativas, incluindo matrizes, filiais e microempreendedores individuais (MEI). Um dado significativo é que 93,4% dessas empresas são microempresas ou empresas de pequeno porte, o que demonstra a predominância dos pequenos negócios na estrutura empresarial brasileira.
O sonho de não ter chefe se consolidou como um dos principais sonhos dos brasileiros. Segundo dados desta pesquisa GEM, "ter o próprio negócio" figura como o terceiro maior sonho dos brasileiros, atrás apenas de "comprar a casa própria" e "viajar pelo Brasil". Esse desejo pode ser explicado pela busca por autonomia, como alternativa ao desemprego, oportunidade de ascensão social e influência cultural.
É importante não romantizar o empreendedorismo, especialmente quando ocorre com exploração de mão de obra infantil. Importante também destacar que parcela significativa do empreendedorismo brasileiro ocorre por necessidade, e não por oportunidade. Muitos brasileiros empreendem não porque identificaram uma oportunidade de mercado promissora, mas porque não encontram alternativas de emprego formal que ofereçam condições satisfatórias.
Empresas: de 1 milhão para 21 milhões em 40 anos
"Antigamente os homens eram fortes / Andavam a pé e trabalhavam duro / Hoje em dia já não andam mais a pé / E trabalham com o cérebro, não com os músculos", cantava Belchior em "Pequeno Mapa do Tempo", capturando as transformações no mundo do trabalho. Antes da criação do CNPJ em 1998, as empresas eram identificadas pelo Cadastro Geral de Contribuintes (CGC), um sistema menos integrado e com menor abrangência que o atual.
Segundo dados históricos, em 1985, há exatos 40 anos, o Brasil tinha menos de 1 milhão de empresas, enquanto atualmente são mais de 21 milhões de empresas ativas, 93,4% delas sendo microempresas ou empresas de pequeno porte.
O crescimento no número de empresas formalizadas entre os anos 1985 e 2024 é extraordinário, estimado em mais de 20 vezes. Esse crescimento pode ser atribuído à simplificação burocrática, digitalização de processos, políticas de incentivo ao empreendedorismo e mudanças na estrutura econômica.
A comparação entre a proporção de trabalhadores com carteira assinada nos anos 1980 e atualmente também revela mudanças significativas. Embora os dados precisos sejam limitados, estudos indicam que a taxa de formalização do trabalho era significativamente menor em 1985, com estimativas de que menos de 50% dos trabalhadores urbanos possuíam carteira assinada no início da década. Mais do que isso: 80% dos brasileiros nem tinham sequer uma conta bancária há 40 anos, algo impensável na sociedade de hoje que usa o Pix para quase tudo.
Baixa remuneração: um desafio enorme
Apesar de alguns indicadores positivos recentes, como a queda na taxa de desemprego para níveis historicamente baixos (6,9% na média anual de 2024 e 6,2% no final de 2024), o trabalhador brasileiro ainda enfrenta uma série de desafios que vão além da simples dicotomia entre estar empregado ou desempregado.
A baixa remuneração continua sendo um problema central. Muitas das novas vagas criadas, tanto no setor formal quanto informal, oferecem salários inferiores à média da economia. A pressão inflacionária sobre itens essenciais, como alimentos e moradia, corrói ainda mais a renda, especialmente dos trabalhadores informais e daqueles em ocupações de baixa qualificação.
Rosângela Rezende aponta a valorização salarial como o obstáculo a ser superado: “O grande desafio ainda é a valorização salarial, principalmente para os trabalhadores do interior, que muitas vezes não têm os mesmos direitos e garantias dos centros urbanos. Essa disparidade também afeta o comércio, que, em muitas cidades do interior, depende diretamente das atividades rurais. A falta de valorização do trabalho rural reflete-se em um consumo mais restrito e em dificuldades para o fortalecimento da economia local. Precisamos continuar lutando por renda justa, qualificação e respeito a quem mais produz em Goiás — o homem e a mulher do campo”.
O desemprego, embora em queda, continua sendo uma ameaça significativa para grupos específicos, como os jovens. A taxa de desemprego entre a população de 18 a 24 anos é mais que o dobro da taxa geral, refletindo barreiras como a falta de experiência e a baixa qualificação. Além disso, o desemprego de longa duração, embora tenha diminuído, ainda afeta milhões de brasileiros, dificultando a reinserção no mercado.
Situação em Goiás
O deputado Virmondes Cruvinel destaca que os dados do Caged mostram que o mercado de trabalho em Goiás avançou muito nos últimos sete anos. “Fomos um dos primeiros estados a retomar e ultrapassar índices de emprego de antes da pandemia de covid-19. Ou seja, a criação de novas vagas vai bem”, afirma. “Como no resto do país, o maior desafio hoje é ampliar o poder aquisitivo dos trabalhadores frente a um longo processo inflacionário que tivemos e ainda persiste no país. Além disso, vemos muitos jovens optando pelo empreendedorismo, o que é uma tendência que merece atenção e incentivo”, acrescenta.
“A tecnologia e a inteligência artificial estão revolucionando o mercado, criando novas profissões e demandando qualificação constante. Goiás tem um papel estratégico nesse cenário com a atuação da Fapeg, nosso órgão de fomento à inovação e à ciência. Com o apoio do governo, a Fapeg tem realizado investimentos significativos e parcerias importantes, tanto com a academia quanto com o setor privado, incluindo iniciativas na área de inteligência artificial. Isso abre caminho para novas oportunidades em todas as áreas, inclusive no maior segmento econômico de Goiás que é o agronegócio. O Sistema S também é extremamente atuante no nosso estado, com o Sebrae e o Senac, por exemplo, promovendo uma formação profissional adaptada às necessidades deste momento desafiador de revolução tecnológica”, completa Virmondes.
Para Talles Barreto, o mercado de trabalho em nosso estado “apresenta um cenário positivo, com avanços significativos na geração de empregos formais e redução da informalidade. Podemos relacionar isso às oportunidades proporcionadas através dos programas de governo com qualificação profissional e oferta de diversos cursos profissionalizantes. Contudo, ainda temos desafios relacionados à valorização salarial e entre outros. Apesar do crescimento na oferta de empregos, há uma necessidade crescente de qualificação da força de trabalho para atender às demandas dos setores em expansão. A falta de profissionais qualificados pode limitar o aproveitamento das oportunidades geradas”.
Rosângela Rezende aponta que a tecnologia está transformando o modo de produzir, principalmente no campo: “O agro goiano, que é referência nacional, já utiliza inteligência artificial em maquinário, previsões climáticas e gestão de lavouras. No entanto, é essencial que os trabalhadores também tenham acesso à capacitação digital. Isso vale tanto para o jovem do interior que quer inovar na propriedade rural, quanto para as mulheres que tocam pequenos negócios familiares. A tecnologia deve incluir, não excluir. Por isso, nosso desafio é garantir que ela chegue a todos os cantos do estado”.
Mauro Rubem pede a construção de um plano de ação para que a tecnologia e a inteligência artificial e outras ferramentas não acabem com a mão de obra humana e que “precisam estar alinhadas com o interesse da sociedade”. Ele avalia que, em Goiás, ainda há uma parte da elite que “é muito atrasada e que precisa evoluir, se atualizar”.
Saúde mental
A saúde mental nos dias de hoje também é um assunto quente, segundo os deputados. Em especial, em tempos de home office e uma época em que os trabalhadores estão conectados o tempo todo. “Saúde mental também é um direito do trabalhador, seja ele do escritório ou da roça. No campo, a solidão, a pressão da produção e a instabilidade do clima afetam diretamente a saúde emocional. As empresas e o poder público precisam estar atentos a isso. Defendo que o SUS esteja preparado para oferecer apoio psicológico também nas pequenas cidades e áreas rurais. E nas empresas, é dever cuidar do ambiente de trabalho, promover o equilíbrio e tratar a saúde mental com a mesma seriedade que tratamos a física. Cuidar das pessoas é garantir um Goiás mais forte e mais humano”, observa a deputada Rosângela.
Para Bia de Lima, a “informalidade somada ao que estamos chamando de inovação de trabalho por conta da própria uberização dos serviços vem prejudicando imensamente a vida do trabalhador que vai ficando cada vez mais sobrecarregado, cada vez mais endividado com tantos empréstimos consignados, com tantas situações que a realidade vai estimulando, o consumismo vai tomando conta, mas a conquista de direitos e a conquista de salários efetivamente não acompanha. Então, esse é um grande desafio, difícil de combater”.
“Essa dinâmica do mercado de trabalho levou os trabalhadores a acreditar que, no momento em que ele está sendo entregador, um motoqueiro, um Uber, ele não tem vínculo trabalhista algum, e ele acha que ele manda na vida dele por conta dele dizer que hoje ele trabalha e amanhã ele trabalha se quiser. Isso não é verdade. Porque no outro dia ele tem que comer, ele tem que pagar o aluguel, ele tem que sobreviver, e aí ele tem que trabalhar. E aí o grande problema é, quando ele adoece, cadê a previdência? Cadê as condições para ele ter respaldo em um plano de saúde? Ter condições de poder sustentar a família quando ele tiver um acidente de moto, por exemplo”, questiona Bia.
Para Talles Barreto, “as empresas têm papel crucial na promoção da saúde mental dos seus colaboradores, não apenas por uma questão de bem-estar, mas também por produtividade e clima organizacional. Ignorar esse tema pode proporcionar diversos transtornos para a própria empresa, portanto, é necessário promover um ambiente em que falar sobre saúde mental não seja tabu, criar cultura de acolhimento, capacitar gestores e líderes, oferecer suporte profissional, convênios com psicólogos e terapeutas, políticas de trabalho saudáveis, respeito ao tempo de descanso e férias, ações e campanhas internas e por fim, compreender que cuidar da saúde mental dos colaboradores não trata-se de custo, e sim de investimento. As empresas que priorizam a saúde mental de seus funcionários, contam com um ambiente harmonioso e um time mais engajado, resiliente e que colhe resultados”.
Virmondes arremata o tema dizendo que “a saúde mental deveria ser tratada como prioridade pelas empresas. As pessoas são mais criativas e produtivas em ambientes acolhedores, que oferecem suporte psicológico e promovem o equilíbrio entre vida pessoal e profissional”.
Reflexão, sempre
O Dia do Trabalhador, comemorado anualmente no dia 1º de maio, mais que uma data comemorativa, é um momento de reflexão sobre o valor do trabalho em nossa sociedade e sobre os desafios e nuances que envolvem o tema, ainda mais com as novas tecnologias. Da luta dos mártires de Chicago às batalhas contemporâneas contra a precarização, a história do trabalho não é nada linear.
Nas palavras de Gonzaguinha, "um homem se humilha se castram seu sonho / Seu sonho é sua vida e vida é trabalho / E sem o seu trabalho o homem não tem honra / E sem a sua honra se morre, se mata". Que possamos, como nação, honrar o trabalho e o trabalhador, construindo um Brasil onde o suor de cada um seja reconhecido e recompensado com justiça.
Neste Dia do Trabalhador, que se celebre não apenas as conquistas do passado, mas também o compromisso com um futuro onde o trabalho seja fonte de realização pessoal e coletiva, onde cada brasileiro possa, como cantava Gonzaguinha, “cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz”.