CPI da Celg
A Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga o endividamento da Celg nos últimos 25 anos colheu na última quinta-feira, 28, o depoimento dos ex-presidentes José Walter Vasquez Filho, Ênio de Andrade Branco e José Paulo Fêlix Loureiro. Os três gestores foram unânimes ao afirmar que a venda de Cachoeira Dourada trouxe danos para a saúde econômico-financeira da empresa.
Ex-presidente da Celg, entre julho de 2001 e janeiro de 2003, economista José Walter Vasquez Filho afirmou que as estatais que não foram privatizadas durante a década de 1990 não se prepararam para a realidade de mercado. O economista disse que, antes, o engenheiro era o principal personagem das concessionárias do setor elétrico; hoje, tal papel cabe aos gestores. O ex-presidente disse que a Celg se tornou mera atacadista após a privatização de Cachoeira Dourada. De acordo com ele, a empresa comprava energia por “A e vendia por B”.
“Minha missão não era salvar a Celg. Era procurar um acionista capitalizado que pudesse investir na Companhia. Os investimentos necessários para a empresa extrapolam a capacidade do Tesouro estadual. Portanto, fui encarregado de preparar a Celg para esse novo passo com um acionista capaz de investir e manter um serviço de qualidade para a crescente demanda goiana”, afirmou.
Segundo José Walter, a empresa não foi vendida porque não se encontrou uma empresa que aceitasse pagar o que a empresa valia. "Com a queda das torres gêmeas em 11 de setembro de 2001 e o apagão no Governo FHC, o mercado se apequenou e não quis arriscar", afirmou.
Para José Walter, o fato de ter assumido a empresa com a missão de vendê-la evitou qualquer tipo de ingerência política. "Se houve, foi mínima, posso afirmar com certeza", disse.
Sobre a crise atual da empresa, José Walter disse que, no período em que foi presidente da Celg, as distribuidoras de energia no Brasil já estavam no vermelho. Ele disse também que a crise da empresa, como de qualquer outra, é de gestão. "O defeito de qualquer empresa estatal é tratar com igualdade o bom e o mau funcionário. Não há instrumentos no setor público que valorizem o funcionário trabalhador e penalizem aquele que só vai bater o ponto", concluiu.
Sistema de subsídios
José Walter, no início de seu depoimento, teceu uma série de considerações técnicas sobre a natureza da atividade da Celg. O ex-presidente destacou o fato de a Companhia ser uma concessionária de um serviço público federal, cuja regulamentação se dá pela União.
"A Celg não tem como propósito elementar atingir o bem comum ou promover justiça social. Sua função era gerar, transmitir e distribuir energia elétrica em quantidade e qualidade para todos os 237 municípios dentro de sua área de atendimento. Realizar ligações para a população de baixa renda é importante, mas não é objetivo elementar da Companhia", afirmou o ex-presidente.
José Walter disse que a compra de energia elétrica mais barata por parte da população de baixa renda dependeria de autorização da União e da utilização de um sistema de subsídios. O economista detalhou que, antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, as empresas do setor elétrico tinham remuneração de capital assegurada entre 10 e 12%.
"A tarifa era baseada no custo do serviço e a equalização se dava via troca de subsidio. Após 1988, via decreto federal, a compensação passou a ser realizada por meio da reserva nacional de compensação de remuneração, que mudou essa dinâmica. Era uma realidade diferente. As empresas não precisavam disputar mercados e tinham seus custos operacionais garantidos por meio do sistema de subsidio em vigor. As companhias recebiam em conta e agregavam ao balanço como crédito antes de 1988. O sistema funcionva", disse o economista.
José Walter informou que o setor elétrico sofreu perda de poder financeiro após 1988. De acordo com ele, um único imposto incidia sobre a conta de energia elétrica e era revertido para as concessionárias; após a mudança, o ICMS passou a ser incluído nos valores e não retornava para as empresas – vai direto para o erário estadual, que repassa 25% para as prefeituras.
Crescimento
José Walter informou que a demanda por energia elétrica em Goiás crescia a uma ordem de 8% ao ano, acima da média nacional. De acordo com ele, o acionista majoritário – o Governo de Goiás – não tinha recursos para o crescimento da procura. O economista disse que recorrer a empréstimos bancários era uma das opções possíveis.
“A Celg não poderia deixar de pagar fornecedores ou a Eletrobrás. Também é preciso dizer que 2001 foi ano atípico. O setor elétrico vivenciou o apagão, que provocou contingenciamento de energia elétrica em todo o país. Também teve como fato complicador os ataques terroristas de 11 de setembro. Apesar de tudo, não fomos penalizados com tarifas, que tiveram reajustes de 5% naquele ano e 13,24% em 2002”, afirmou o ex-presidente.
Defesa
Ex-presidente da Celg entre maio de 2007 e abril de 2009, o advogado Ênio de Andrade Branco aproveitou o início de seu depoimento para se defender das acusações que resultaram no bloqueio de seus bens e de outros quatro diretores da empresa. A denúncia diz respeito a possíveis irregularidades no contrato firmado pela Companhia com a Evoluti, que presta serviços em tecnologia de informação.
O advogado disse que não teve conhecimento de auditoria sobre a Evoluti em maio de 2009, realizado um mês após sua saída. De acordo com ele, a realização de auditorias são rotineiras dentro da Companhia.
Ênio Branco disse que a CPI é uma oportunidade para que os ex-presidentes possam manifestar sobre suas gestões. O advogado afirmou que entende como legítimo o bloqueio judicial de seus bens. De acordo com ele, o juiz teve a sensibilidade de não encerrar o contrato e não bloquear as contas.
"A ação do homem público não se encerra ao sair do cargo. A responsabilidade permanence mesmo quando fora do cargo que ocupava. É evidente que o bloqueio dos bens não faz bem a ninguém. Não sei se houve irregularidades no contrato firmado entre Celg e Evoluti. A missão do presidente é estratégica; assina centenas, milhares de papéis ao longo do ano. O responsável por isso é o gestor do contrato", afirmou o advogado.
Ênio Branco disse que assumiu a empresa com o objetivo de implementar um novo modelo de gestão, tomando como referência o trabalho que realizou junto a Celesc. O ex-presidente informou que a situação da Celg era similar à da distribuidora capixaba.
"Pouco mais da metade das ações da Celesc está no poder do governo estadual. O restante foi pulverizado. Não há entre as 64 empresas do setor elétrico, salvo a Celg, alguma tenha índice superior a 60% das ações. A maioria tem controle majoritário por um fio ou pequena parcela acionária", afirmou o advogado.
Controle acionário
Ênio Branco afirmou que procurou durante sua gestão melhorar a competitividade da Cegl. De acordo com ele, há relativamente poucas concessionárias públicas do setor elétrico em atividade; parte ou foi privatizada ou se tornou empresa de capital misto. O advogado disse ainda que procurou encontrar os melhroes valores de mercado para a Companhia.
"O Governo estadual precisa priorizar uma série de investimentos fundamentais, como Saúde, Segurança e Educação. Procurei levar ao consumidor energia de qualidade pelo justo preço. Isso é imperativo para atender as necessidades da população goiana. Também gostaria de ressaltar que a Celg possui corpo técnico acima da média e consegue imprimar práticas de governança corporativa", afirmou Ênio Branco .
O ex-presidente afirmou, ainda, que reduziu os prejuízos gerados pela Celg e diminuiu em 26% o volume de serviços terceirizados. De acordo com ele, a meta inicial era reduzir a participação de terceiros em 35%. O advogado informou ainda que procurou melhorar a gestão da empresa ao reduzir as horas extras e sobreaviso dos funcionários.
"As empresas terceirizadas provocavam impacto na gestão da empresa e ainda continuam. Houve uma redução neste sentido. Em relação aos recursos obtidos por meio de operações bancárias. Se por um lado incrementou a receita da empresa, por outro agravou o processo de endividamento", afirmou.
Mercado consumidor
Ênio Branco afirmou que o problema da Celg não é endividamento. De acordo com ele, uma empresa do porte da Companhia não morre em função do atual patamar de dívida. O advogado disse que a Celg possui um grande trunfo: o mercado consumidor. Também informou que a empresa poderá ampliar a capacidade de geração em 200 megawatts até 2012.
"Empresas como a Cemig demonstraram, durante minha gestão, interesse na Celg. A empresa está estrategicamente posicionada com grande demanda; possui faturamento anual de aproximadamente R$ 3 bilhões. Faz-se necessário buscar o equilíbrio da empresa por meio do saneamento de sua saúde financeira. A proposta da Eletrobrás, entendo, tem caráter definitivo e finalístico", afirmou o ex-presidente, que afirmou sobre sua crença na CPI como ferramenta de recuperação da Celg.
Ênio Branco afirmou que 90% das 64 concessionárias do setor elétrico atuam junto ao mercado financeiro de maneira cotidiana. O ex-presidente informou que a captação de dinheiro em instituições financeiras depende da receita e das necessidades. De acordo com ele, seja o dinheiro barato ou caro, o seu uso efetivo e os retornos oferecidos é que fazem a diferença.
"Por vezes, empréstimo bancários podem poupar a empresa de uma performance sofrível. O recurso pode ser menos oneroso para a empresa, por exemplo, do que perder uma certidão da receita federal para comprar energia barata. A Celg faz uma relação de custo benefício para avaliar a viabilidade da operação bancária", afirmou o advogado.
Ênio Branco diz que os empréstimos são realizados por áreas específicas da Celg. O advogado afirma que não são feitos por capricho ou necessidade. De acordo com ele, uma análise de mercado é feita; a aplicação dos recursos é planejada e registrada em processos.
212 Capital / Banco Prosper
O relator Humberto Aidar ressaltou que a população tem tido uma percepção negativa da CPI da Celg. O petista disse que é triste constatar que as pessoas avaliem que a Comissão não vai resultar em frutos. O deputado questionou ainda sobre a situação envolvendo a relação da Celg com a 212 Capital.
Ênio Branco disse que se trata da operação 212 Capital / Banco Prosper. O ex-presidente informou que se tratou de operação estruturada, realizada dentro de uma realidade de mercado e submetida ao conselho fiscal da empresa. De acordo com ele, todo o acordo foi feito por meio de contrato e a Agência Nacional de Energia Elétrica foi informada sobre a aplicação dos recursos captados.
"Foi uma boa operação. O suprimento de energia da Celg estava para ser cortado. Havia a necessidade de se pagar à Eletrobrás. As operações financeiras possuem garantias. São os valores recebíveis, que são dividos por consumidores. Se não pagar, entram na conta da Celg, que fica sem receita. Quando deixei a Companhia, a receita mensal era de R$ 250 milhões. Eu a classificaria como uma das 200 maiores empresas do País. Se as contas forem equilibradas, pode se tornar uma das maiores do Brasil em seis anos. É um mercado excelente", afirmou o ex-presidente.
Ênio Branco disse que seis das dez maiores empresas brasileiras estão endividadas. De acordo com ele, a Celg ainda é viável e o controle acionário do Governo estadual de 98% das ações da Companhia torna humanamente impossível investir de maneira adequada.
“A Eletrobrás poderá colocar R$ 1,3 bilhão via BNDES. Hoje, o acordo que está se desenhando entre o governo federal e o estadual tem sido melhorada. A Celg poderá condições de pagar o recurso até 2024. O socorro está pronto para ser dado e acredito que será salva. Dentro de três anos vai se ruma das jóias de Goiás, desde que tenha sócios minoritários potentes. A Celg não resiste a um único dono", afirmou o ex-presidente.
Problemas de gestão
O deputado José Nelto disse que o acordo proposto pela Eletrobrás por 41,08% das ações da Companhia causaria a gestão compartilhada. O peemedebista questionou ainda se seria interessante para a adquirente investir R$ 1,3 bilhão sem a contrapartida de ocupar ao menos 50% da diretoria da empresa.
Ênio Branco disse que acredita que a Eletrobrás vai absolutamente emprestar os recursos necessários. O ex-presidente citou que a gestão compartilhada é consequência para o gestor. Também afirmou que o relatório da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), vinculada à Universidade de São Paulo, deixou implícito que houve problemas de gestão.
"A venda da usina de Cachoeira Dourada, a perda de ativos e a descapitalização foram em direção contrário ao que o mercado adotava na época. As empresas passaram a investir em geração de eletricidade ao passo que a Celg vendeu sua principal geradora. Era algo que estava na contramão daquele período histórico", afirmou o ex-presidente.
Ênio Branco explicou também que o endividamento da Celg coincide com o valor apresentado pela Fipe. De acordo com o relatório da fundação paulista, a dívida da Companhia registra R$ 4,1 bilhões; o Governo estadual indica que o valor soma R$ 5,7 bilhões. O ex-presidente diz que o valor informado pela Secretaria Estadual da Fazenda contabiliza o passivo da empresa.
"O valor de R$ 5,7 bilhões é do passivo. Não é o valor da dívida consolidada, que registra R$ 4,1 bilhões, conforme a Fipe. São conceitos diferentes. Portanto, o Governo leva em consideração o valor total do passivo da empresa, incluindo depreciação e valores a receber", afirmou o ex-presidente.
Gargalos
Ex-presidente da Celg entre janeiro de 2003 e outubro de 2004, o economista José Paulo Fêlix Loureiro disse que a Companhia possui quatro problemas que interferem em sua administração. De acordo com ele, as limitações são a venda de Cachoeira Dourada sem a devida capitalização; o crédito com o Governo goiano; o crédito com a União, que não realiza encontro de contas ou permite reajuste de tarifas; e os municípios, que estão em atraso com o pagamento pelo fornecimento de energia elétrica.
“A tarifa baixa é um dos maiores problemas da Celg. A despesa cresceu, mas a tarifa permanece a mesma. Isso reduz o poder de investimento da empresa. Os municípios possuem grande parcela de culpa nesse processo”, afirmou o ex-presidente.
José Paulo Loureiro afirmou que foi realizada uma negociação com as prefeituras, intermediada pela Assembleia Legislativa. Os termos do acordo previam que os municípios teriam até 150 anos para pagar os débitos em atraso com a empresa.
“Também entramos em uma situação de enfrentamento para recuperar os créditos, via embates jurídico e administrativo. Não é uma relação agradável porque causa desgate político. O então ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, se recusava a ressarcir a Celg por programas como Luz no Campo”, afirmou o economista.
José Paulo Loureiro lembra que, além de não pagar suas dívidas com a Celg, a União também impede reajustes tarifários da empresa, o que a coloca em situação cada vez mais difícil. “A tarifa é responsável pelo poder de investimento da empresa”, comenta o economista, lembrando que cidades goianas abastecidas por companhia de outro Estado pagam energia até duas vezes mais caro.
O executivo citou o exemplo da Cemig mineira: em Itumbiara, se um determinado estabelecimento paga R$ 100 de energia, em Centralina, do outro lado do Rio Paranaíba, no Estado mineiro, o mesmo estabelecimento pagaria R$ 300.
Patrimônio líquido negativo
José Paulo Loureiro disse que, ao assumir a presidência, a Celg havia passado por uma privatização mal sucedida. De acordo com ele, a empresa teve seus piores índices em anos. “O balanço de 2002 mostra que a Celg teve patrimônio líquido negativo. Os eventos de 2001 influenciaram de forma ruim a demonstração econômico-financeira da empresa. Ao assumir a Companhia, frustrada a privatização, havia o entendimento de torná-la perene”, afirmou o economista.
José Paulo Loureiro disse que o Governo não tinha condições de injetar dinheiro na Celg. De acordo com ele, pairava sobre a empresa a ameaça de intervenção federal em razão do balanço negativo. O economista afirmou que a empresa “estava quebrada”.
“A partir daquele momento foi realizado um trabalho de enfrentamento em busca dos créditos a receber que a Celg tinha. Foi preciso melhorar a auto-estima dos funcionários, apesar de a empresa sofrer aproximadamente R$ 1,5 milhão de prejuízo por dia. Ainda que se eliminasse toda a folha de pagamento, orçada em R$ 20 milhões mensais, ainda continuaria no vermelho”, afirmou o ex-presidente.
Concurso
José Paulo Loureiro disse que, ao assumir a Celg, o funcionário com menos tempo de casa contava 19 anos. A exceção, informou, era o pessoal de informática, que tinha 12 anos. De acordo com ele, foi realizado um certame público que auxiliou na oxigenação dos quadros da Companhia.
O ex-presidente afirmou que também tomou medidas impopulares, como a demissão de aproximadamente 200 funcionários, realizada em conjunto com o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas no Estado de Goiás (Stiueg). O economista informou que também promoveu um Plano de Demissão Voluntária para enxugar gastos com folha.
Cachoeira Dourada
José Paulo Loureiro disse que, desde a venda da usina de Cachoeira Dourada, em 1997, a Celg nunca mais deixou os noticiários. O ex-presidente avaliou que hoje a Companhia se tornou um tipo de “bode expiatório”. O economista disse que não faria julgamento, mas não considerava a venda das ações da empresa para a Eletrobrás como a única solução.
“Não acredito que a Eletrobrás, que nunca foi uma parceira da Celg, seja a melhor opção. Talvez fosse melhor em outro momento. A venda de ações deve permitir uma escalada positiva para a Celg. Se o Governo federal quer mesmo ajudar, porque não paga o que deve para a Companhia?”, questionou o economista.
José Paulo Loureiro disse que a venda de Cachoeira Dourada precisa ser analisada com atenção pelos deputados. De acordo com ele, a Celg perdeu duas usinas. O ex-presidente informou que os efeitos da privatização contribuíram para a descapitalização da empresa.
“A Celg perdeu a usina com a venda, cujos ativos não foram repassados pelo Governo estadual. Também perdeu outra Cachoeira Dourada por causa do contrato de compra de energia elétrica firmado com o consórcio que adquiriu a usina. Só no primeiro ano, em 1998, isso provocou um adicional de US$ 100 milhões negativos nas contas da Celg. Em suma, descapitalizou ainda mais a empresa”, afirmou o economista.