CPI da Celg
A Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga o endividamento da Celg nos últimos 25 anos colheu nesta terça-feira, 2, depoimento do ex-presidente Ovídio Antônio de Ângelis, que confirmou para os deputados-membros a não imposição do Governo Federal na decisão de venda da usina de Cachoeira Dourada.
Os parlamentares também realizaram a oitiva do contador-geral da Companhia, Dionísio Jerônimo Alves, que avaliou a dívida da empresa em 2008 em R$ 4,6 bilhões - valor inferior ao propalado pela Secretaria Estadual da Fazenda e superior ao registrado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), vinculada à Universidade de São Paulo.
A Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga endividamento da Celg nos últimos 25 anos, confirma a entrega de relatório por técnicos do Tribunal de Contas do Estado (TCE) nesta quarta-feira, 3, às 9 horas, na sala Solon Amaral da Assembleia Legislativa. O documento abrange o período compreendido entre 1995 e 2002 e é o terceiro já repassado à CPI pelos servidores do TCE.
As duas análises já repassadas à CPI, estão assim divididas: a primeira, abrange o período de 1983 a 1990; a segunda, reúne dados sobre a Companhia entre 1991 e 1994. Ambos os documentos estão disponíveis no Portal da Assembleia
Cachoeira Dourada
Ex-presidente da Celg entre 18 de fevereiro de 1992 e 8 de fevereiro de 1994, o advogado Ovídio Antônio de Ângelis disse que o Governo Federal não impôs ao Estado de Goiás a privatização da usina de Cachoeira Dourada. De acordo com ele, o Governo Estadual aderiu ao Programa de Desestatização como maneira de assegurar empréstimo junto à Caixa Econômica Federal. Parte do recurso, obtido em 1995, teria sido utilizado para pagamento de folha funcional dos servidores.
Ovídio de Ângelis disse que, no período em que foi presidente do Conselho Estadual de Desestatização, o então governador Maguito Vilela (PMDB) não foi obrigado a vender a usina de Cachoeira Dourada. "Mas se quisesse que o Estado tivesse sua dívida com o Governo Federal renegociada, era obrigatório vender algo e, no caso, a escolhida foi Cachoeira Dourada", completou.
"A venda da usina de Cachoeira Dourada foi uma decisão conjunta dos Governos Estadual e Federal. Não é correto falar em pressão, mas é claro que Goiás foi solicitado a privatizar, a fazer uma reciclagem patrimonial", disse Ovídio. De acordo com ele, a privatização era uma "determinação do Governo Fernando Henrique Cardoso em uma onda mundial difícil de ser interrompida", que recebeu "concordância" do então governador Maguito Vilela para que outras dívidas do Estado com a União fossem renegociadas, aliviando a saúde financeira do Estado a curto e a longo prazo.
O ex-presidente da Celg - que também foi ministro no Governo FHC - diz que não se arrepende de nada do que fez na vida pública. "Não me arrependo, porque fiz tudo bem feito", afirmou. E, segundo ele, a venda de Cachoeira Dourada foi transparente. "Sou tão responsável pela venda quanto os deputados estaduais que aprovaram a medida por maioria", disse.
Segundo Ovídio, a venda da usina não atrapalhou em nada a vida financeira da Celg. "Mesmo depois da privatização de Cachoeira Dourada, a energia é comprada por um valor e vendida por três vezes mais, então não deveria haver prejuízo", pontuou. O ex-presidente da estatal disse ainda que, em sua gestão - entre 18 de fevereiro de 1992 e 8 de fevereiro de 1994, na época do então governador Iris Rezende (PMDB), portanto antes da venda da usina -, a viabilidade financeira da Celg foi assegurada.
Ovídio de Ângelis disse também que as tarifas estabelecidas para o consumidor são as tarifas de mercado. "A Celg sempre praticou o maior preço permitido para o consumidor, antes e depois da venda de Cachoeira Dourada. Então a privatização da usina de Cachoeira Dourada não fez a Celg quebrar", argumentou.
O ex-presidente da Celg afirmou ainda que o levantamento da Fipe para a CPI é importante, mas precisa ser mais "aprofundado e explicitado". "Não é um levantamento equivocado, mas não pode ser raso", disse. Ele também afirmou que não sabe quem quebrou a Celg. "A CPI está aí exatamente para descobrir isso", concluiu.
Redução da dívida pública
Ovídio de Ângelis informou que a venda da usina de Cachoeira Dourada em 1997 trazia em si aspectos relacionados ao Programa Nacional de Destatização, iniciado no início da década de 1990 e que tinha por objetivo transformar empresas estatais em privadas. De acordo com ele, o objetivo era permitir que atividades então exclusivas do do poder público fossem exercidas pela iniciativa privada.
O ex-presidente da Celg disse que a privatização das estatais foi uma maneira do Governo Federal gerar receita para reduzir a dívida pública. Ovídio de Ângelis afirmou que os Estados tinham a capacidade de investimento exaurida e a venda de ativos imobilizados de grande porte permitiria uma reciclagem patrimonial em Goiás.
"Essa era a filosofia do modelo brasileiro de privatização naquela época. Os Estados não tinham receita para investir em Saúde, Educação, Segurança Pública e infra-estrutura. Entendo que a política de desestatização foi um procedimento de gestão pública incorporado à vida brasileira. Criou-se uma cultura privatizante", afirmou o advogado.
Ovídio de Ângelis disse que a privatização das estatais foi parte de um conjunto de exigências internacionais, capitaneadas pelo Fundo Monetário Internacional. De acordo com ele, a desestatização foi um ajuste firmado entre o Governo Federal e os estaduais. O gestor afirmou que a decisão da venda de Cachoeira Dourada não foi imposta pela União, mas aceita pelos Estados.
"A privatização não foi uma imposição do Governo Federal, mas uma recomendação, que foi aceita pelos Estados. Havia grande necessidade de geração de recursos ao Tesouro Estadual. Vender a usina de Cachoeira Dourada - além da Celg como um todo - foi parte do acordo firmado com a União como condição para concessão de empréstimo junto à Caixa Econômica Federal, cuja autorização partiu do Ministério da Fazenda. O acompanhamento dessa operação se dava via BNDES", informou o executivo.
Fixação do preço
O ex-presidente afirmou que a decisão de privatizar as estatais foi, portanto, dos governos estadual e federal. Ovídio de Ângelis disse que, entre 1996 e 2002, foram vendidas 41 empresas estatais, das quais 19 pertenciam ao setor elétrico. De acordo com ele, a receita estimada com as desestatizações somaram aproximadamente R$ 35 bilhões em todo o país.
"O processo de privatização começou com a cisão da Celg em duas empresas; uma de geração e outra de distribuição. Fui presidente do Conselho Estadual de Desestatização, constituito pelo governador à época, Maguito Vilela. Houve estudos e convênios de cooperação técnica para determinar o valor de venda de Cachoeira Dourada. Todo o processo de venda das estatais se dava por pressupostos estabelecidos e por normas reguladoras, com supervisão do BNDES", afirmou o gestor.
Ovídio de Ângelis disse que a fixação do preço de venda da usina de Cachoeira Dourada levou em conta estudo técnico realizado por consultoria a partir do valor dos ativos. Os dados foram, de acordo com ele, verificados pela Celg. O advogado também informou que duas empresas realizaram análises sobre o valor de mercado da geradora, que teria sido superior ao proposto pelos próprios técnicos da Companhia.
"O valor indicado pelas consultorias especializadas foi ainda maior do que indicado pelos técnicos da Celg. O valor de venda foi homologado pelo Governador. O Conselho de Desestatização entendeu a importância em se praticar um preço de venda maior para testar o mercado em relação a Goiás. Os dados serviram como base para os procedimentos de venda da usina", afirmou o advogado.
Contrato de preço
Ovídio de Ângelis disse que foi firmado um contrato com o consórcio adquirente da usina de Cachoeira Dourada para suprimento do fornecimento de energia elétrica para a Celg. Ele informou que os recursos foram gerados no orçamento do Estado e que se trabalhava com previsão orçamentária mínima, com as devidas destinações dos recursos registradas.
"Basicamente, os recursos obtidos com a venda da usina foram contrapartida para a operação de crédito para a realização de obras de pavimentação asfáltica, saneamento, assentamento rural, infra-estrutura e reciclagem patrimonial de Goiás. O Governo stadual transformaria o valor obtido em diversos bens distribuídos democraticamente por todo o Estado", afirmou o advogado.
O ex-presidente disse que o valor da tarifa que a Celg estaria obrigada a repassar ao consórcio que adquiriu a usina provocou discussões. O advogado afirmou que a empresa não possui autonomia tarifária, vez que se trata de concessionária e há de se respeitar o interesse público. De acordo com ele, o valor foi determinado a partir da capacidade de pagamento da Companhia e a necessidade de receitas do grupo que comprou Cachoeira Dourada.
"A formação da tarifa levou em consideração os preços da época, praticados por Furnas e Itaipu. Foi estabelecido um preço intermediário entre ambas as tarifas. Gostaria de informar que o preço estabelecido em Cachoeira Dourada, por força de contrato, era menor do que o praticado por Furnas. De maneira geral, estava abaixo do mercado", disse o ex-presidente.
Ovídio de Ângelis afirmou que uma cláusula do contrato determinava um valor constante para a tarifa da energia que a Celg comprava da geradora privatizada. De acordo com ele, o preço sofreria reduções gradativas a partir dos primeiros seis anos de contrato.
"O contrato impedia que a Celg ficasse sujeita às turbulências do mercado. Sabia-se à época que o suprimento energético poderia ser caótico, dado o aumento da demanda em relação aos investimentos. Cachoeira Dourada não deixaria de gerar consumo interno para Goiás. É preciso enteder que o sistema é totalmente interligado. A cláusula contratual protegia a Companhia com fornecimento a longo prazo, fato confirmado com o apagão de 2001", afirmou Ovídio de Ângelis.
Eletrificação rural
Ovídio de Ângelis contextualizou seu depoimento à época em que geria a Celg. De acordo com ele, sua administração procurou ampliar o programa de eletrificação rural em Goiás por meio de um convênio com um fundo de investimento japonês. O ex-presidente também disse que conseguiu deixar a empresa em situação de adimplência junto aos credores.
"Havia a necessidade de expandir as ações da Celg para acompanhar o crescimento de Goiás. O programa de eletrificação permitiu a realização de vigorosas obras em praticamente todos os municípios goianos, exceto os do norte, por imposição do organismo japonês. Neste caso, a Celg assumiu com recursos próprios a instalação de infra-estrutura no Norte goiano. Vale resslatar também que os custos de construção da Celg estavam entre os menores do país", afirmou Ovídio de Ângelis.
O ex-presidente disse que implantou sistema de de contas e aquisições a partir de setores da própria Celg, que integravam comissões de licitação especializada. O objetivo, informou o gestor, era "multiplicar os benefícios previstos por meio do procedimento". De acordo com ele, somente as medidas de gestão obtiveram até 50% de sucesso superior às expectativas iniciais.
Ovídio de Ângelis afirmou que sua gestão teve a responsabilidade de concluir as obras da quarta etapa da usina de Cachoeira Dourada. O gestor disse que a construção era necessária para retormar o compromisso com a geração de energia dentro de um contexto sócio-econômico de crescente demanda por energia elétrica.
"Deixei a presidência da Celg aproximadamente dois meses antes da conclusão das obras da quarta etapa da usina de Cachoeira Dourada. O governador à época, Iris Rezende, determinou a prioridade para finalizar a construção e ampliar a geração de energia elétrica. Havia um forte compromisso com a sociedade para suprir o surgimento de novas áreas urbanas e a chegada de diversas indústrias. Foi um período em que houve um surto extraordinário de crescimento", afirmou o gestor.
Valores diferentes
O contador-geral da Celg, Dionísio Jerônimo Alves, afirmou que a dívida da Companhia em 2008 era de R$ 4,6 bilhões. De acordo com ele, o valor difere do apresentado pelo relatório da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) - R$ 4,1 bilhões - em função de critérios de análise, dos quais a instituição paulista teria excluído alguns itens compensáveis.
Dionísio Jerônimo Alves disse que o valor do endividamento propagado pelo Governo estadual - R$ 5,7 bilhões - representa o total do passivo. "O passivo não é composto somente por dívida, mas por valores não exigíveis ou compensáveis", afirmou o contador.
"A Fipe não considerou em seus cálculos os tributos e impostos, o que reduz os valores contábeis. Trata-se de um critérios adotado pelos pesquisadores.
"Balanços maquiados"
O relator Humberto Aidar (PT) citou artigo produzido pelo engenheiro da Celg Salatiel Corrêa Soares que sugere a aprovação de balanços da Celg que teriam passado por "maquiagem". O petista questionou ao contador-geral a possibilidade de alterar os valores das demonstrações conômico-financeiras da Companhia.
Dionísio Alves disse que o contador é responsável civilmente pela peça que produz. O contador-geral disse que fazia questão de registrar a indignação provocada pelo artigo publicado pelo engenheiro. De acordo com ele, ingressou com representação criminal contra Salatiel Corrêa e foi instaurado na Companhia processo administrativo para apurar as acusações.
"O balanço é regido por normas do órgão regulador, no caso a Aneel, e pela Legislação comum. A produção do balanço passa por auditoria independente, cujo auditor emite parecer, que é submetido ao conselho fiscal da Celg. O documento, somado às peças produzidas pelo contador, é encaminhado ao conselho de administração que anexa o relatório administrativo e encaminha para assembleia geral extraordinária, convocada exclusivamente para deliberar sobre as demonstrações. O documento final é remetido para a Aneel e para o TCE", informou Dionísio Alves .
O contador disse que não há como ocorrer ingerência política nos atos de contabilidade. De acordo com ele, a função do profissional é registrar e analisar, sob a ótica da Legislação, os fatos ocorridos na empresa com argumentos que ofereçam tal sustentação.
"Se falta algum registro contábil no balanço é simplesmente porque não chegou ao conhecimento do contador. Não se frauda balanço. Afirmo que os balanços da Celg são 100% confiáveis baseados na documentação que os sustentam", afirmou o contador.
O deputado Daniel Goulart (PSDB) disse que praticamente todos os Governos nos últimos 25 anos produziram dívidas junto a Celg. De acordo com ele, a gestão tucana "teve a grandeza de reconhecer a dívida" junto à empresa. O parlamentar questionou sobre as evidências de dívidas acumuladas junto ao Estado de Goiás contabilizadas nos balanços são referentes a autorizações de obras e serviços.
Dionísio Alves disse que os investiments era autorizados pelo Governo Estadual. Segundo ele, a Celg registrou cada obra e cada passo. O contador informou ainda que, em 1998, foi criado um grupo de trabalho multidisciplinar - por meio do Decreto lei 5.293 - para realizar um ajuste de contas com a Companhia e o Estado de Goiás.
"Foram realizados dois termos; o primeiro busca promover o encontro de contas e visava assegurar o processo de privatização da Celg. Como a empresa não foi desestatizada, foi realizado novo termo aditivo, que trata de condições de pagamento e a correção de juros. A divida atualizada da Celg em novembro de 2009 foi contabilizada dessa maneira", informou o contador-geral